terça-feira, 19 de setembro de 2017

Crônicas de José Moreira Filho

 












A GRAÇA DA GRAÇA
José Moreira Filho - ALAMI -

            Existe uma música, um pouco antiga, de um conterrâneo nosso que tem um verso assim: “vi que a graça nunca vem de graça e os pecados eu paguei primeiro”. Ao ouvir esse poema talvez pela enésima vez, percebi a realidade que o autor quer mostrar. Se minha reflexão estiver correta, imagino que a graça é um dom, é verdade, e como tal não tem como buscá-la, comprá-la ou inventá-la, mas nunca vem de graça. É preciso merecê-la. É preciso estar aberto para recebê-la, é preciso um coração desarmado, sem armaduras, sem trincheiras, sem barreiras e taramelas. Há pessoas que vivem assim, ensimesmadas. Fazem segredos de tudo, se fecham em copas e seu coração fica insosso e principalmente sem a graça. Torna-se um terreno árduo onde a semente da graça não brota. É preciso o adubo da espontaneidade, a água da alegria e o sol do riso para alimentar essa plantinha. É preciso graça para receber a graça. Daí, devagar, ela vai brotando, crescendo e acaba se tornando um arbusto forte, dando frutos que alimentam o espírito.
            Assim, dependendo de nossa disponibilidade, da propriedade do terreno, a graça pode ser de várias espécies. Pode vir sob a forma de felicidade, de desapego, de solidariedade, de amizade verdadeira, de fé ou de amor. O fruto mais doce dessa árvore é o amor. Há pessoas que nunca receberam essa graça – não conseguem amar. Não se amam e não amam ninguém. Talvez se apaixonem e até matem dizendo ser por amor. Ledo engano! Quando se ama de verdade, só se quer o bem do ser amado. O coração fica repleto dessa graça e, portanto, não há espaço para ervas daninhas como o ódio, o ciúme, e o desrespeito. Quanta paixão tem torturado tantas mulheres nesse país!
Importante ter em mente que toda planta requer cuidados, e quanto mais nobre, maior deve ser a preocupação em lidar com ela. Há pessoas que não conseguem cultivar orquídeas, nem tulipas ou nem mesmo bem-me-quer. O amor é a mais nobre das graças recebidas. É preciso cultivá-lo para que possa crescer infinitamente, pois Deus é amor e Deus é infinito. Outro aspecto de igual importância é o reconhecimento dos dons recebidos, bem como da responsabilidade que os acompanha. Um músico de renome deve saber que seu dom precisa prestar serviços, precisa ser motivo de alegria, de felicidade para seus semelhantes. Um orador que recebeu o dom da palavra, não pode enterrar esse talento, mas ser um arauto do bem. Usar essa graça para difundir a verdade, a ética e a justiça. Assim deve ser o escritor, o sacerdote, o médico, o engenheiro. O melhor de tudo é que esse reconhecimento não exige necessariamente inteligência, mas sim sabedoria. A sabedoria permite ao ser humano identificar seus erros, corrigi-los e principalmente evitar sua reincidência. É através da sabedoria que podemos ordenar hierarquicamente os valores humanos, e assim poder apreciar sua utilidade em nossa vida, pois é com ela que perscrutamos a essência dos fatos, sabendo até que ponto podemos permitir que nos atinjam. E com certeza, vamos identificar aquela facilidade que temos, como uma graça recebida e então explorá-la para o bem de todos. E para quem quiser corroborar sua graça com a fé, encontra em Efésios 2:8-9: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie. ”
      José Moreira Filho


FAMÍLIA


            É sabido e constatado que a família tem sofrido, no decorrer dos tempos, toda sorte de interferência, positiva e negativa, do mundo contemporâneo. Influências que, queiramos ou não, tem modificado o comportamento das novas gerações em muitos aspectos.
            É comum vermos pais desesperados, professores aflitos e policiais apavorados diante, respectivamente, da reação dos filhos, dos alunos e dos adolescentes malfeitores. Geração que é fruto de uma série de fatores sociais, que por inovações aceleradas e acompanhamento lento e inadequado, possibilitou o surgimento do descompromisso, da insegurança, da irresponsabilidade e consequentemente da incompetência.
            O que procura a maioria de nossos jovens hoje? Não é o ser, mas o ter. E em muitos casos, o que é pior, procura o parecer ter. Não foi sempre assim. No decorrer dos tempos houve modificações importantes. Vejamos: em outros tempos as funções na família eram bem delineadas. O pai era o provedor e, portanto, era quem tinha o mando, era cultuado por respeito ou por receio. A mãe era a matrona, respondia pela lida da casa, educação dos filhos e a satisfação do marido. Seus sonhos e desejos eram secundários. E os filhos, aquela enorme prole, seguia as orientações, e quase sempre a profissão do patriarca. A mobilidade social era restrita e a família acabava sendo um bloco único formado de pai, mãe, filhos, netos e agregados. Hoje, talvez, já não podemos falar em um modelo único de família, pois várias configurações tem se formado, em função das mudanças econômicas, políticas e religiosas. Pois, a manutenção do lar pode ser feita pela mulher, que hoje já é uma profissional em pé de igualdade com o homem. Há famílias sem a presença do pai, como também há aquelas sem a presença da mãe, e inclusive, com a abertura legal, existe a família chamada homossexual. 
            O que não podemos nos esquecer, é que, apesar de tudo isso, algumas funções continuam sendo da família, principalmente no que se refere à educação. Pois valores fundamentais devem ser plantados a partir do útero materno. É no seio da família que se forma o caráter, o respeito por si e pelos os outros, a solidariedade, a honradez, a religiosidade e o amor. Essa função, como tem acontecido hoje, não pode ser delegada para a escola. A criança deve chegar à escola já com as sementes desses valores, onde deverão, isso sim, serem cultivadas. Nesse sentido presenciamos hoje uma polêmica: Quem deve orientar sexualmente nossos jovens e adolescentes? Quem tem a responsabilidade, a competência e o conhecimento para tal tarefa? Qual modelo de família é o mais adequado para isso? Aos pais, na atual configuração social, falta a presença e à escola ainda falta formação.
            Enquanto isso, é necessário que reflitamos bem para encontrarmos o caminho mais salutar. Mais do que nunca, família e escola devem se dar as mãos, pois são os únicos que diretamente tem acesso e influência sobre essa camada da sociedade.
            Quem sabe assim, muitos outros possam depois repetir com o padre Zezinho: “Das muitas coisas Do meu tempo de criança Guardo vivo na lembrança O aconchego de meu lar.” E como ele, possamos chamar a isso de paz e não de utopia.

Jose Moreira Filho


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