quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Habilitação de eleitor - Arth Silva


Habilitação de eleitor
[Arth Silva]

Chato saber que o futuro do nosso país pode e será decidido nessas eleições por desentendidos, ou melhor, por gente que vota por farra, porque o pastor mandou ou ainda por não terem a menor ideia do que estão fazendo, estão apenas cumprindo sua obrigação. Resumindo, desculpe o palavreado: Nessas eleições o destino do Brasil será escolhido por idiotas.

É claro que nem todos são idiotas, porém grande maioria é exatamente dessa forma que citei. É que a democracia nesse caso específico (eleições), teoricamente parece algo lindo e perfeito, afinal, todos nós temos direitos iguais e o dever de dia 5 de outubro votar nos nossos representantes, mas infelizmente na pratica essa “democracia inconsequente” nos destrói.

Aqui vai uma indagação para me justificar: Por mais que pareça justo e “democrático” que todos possam dirigir seus carros por ai, acho que você concorda que antes de conduzir um veículo, é mais seguro que o motorista tire uma carteira de habilitação e esteja apto a dirigir um veiculo né? Que conheça as regras de transito e saiba o que pode e o que não pode fazer com o carro. Principalmente se ele for um motorista que transporta dezenas de passageiros em um ônibus. Dificilmente você deixaria a vida do seu filho nas mãos de um motorista de vã escolar não habilitado.

Acha que qualquer pessoa poderia fazer uma cirurgia sem antes ter passado por uma faculdade e conquistado um diploma? A questão é que existem várias atividades sérias que envolvem consequências que podem muitas vezes serem perigosas, por isso não devemos deixar algo tão importante na mão de qualquer um. E esse “qualquer um” não é no sentido de classe social, credo, cor, partido político ou time de futebol, e sim de pessoas que comprovaram que possuem o conhecimento para exercer tal atividade que pode definir o futuro de uma nação.

Por isso sou a favor da ideia que não exista o título de eleitor e sim a “habilitação de eleitor” e, pra tirar essa “habilitação” o interessado deveria fazer provas de conhecimento teórico que comprove que ele saiba pelo menos o básico do que é um sistema legislativo, e saiba também o que é e o que podem fazer pelo país um Deputado Estadual, um Deputado Federal, um Senador, um Governador e também um Presidente. Para se habilitar, o eleitor teria que ter no mínimo algumas noções básicas de economia , direito, sociologia para que possam realmente cobrar dos parlamentares de forma racional. Não seria um curso duradouro, poderia ser como a auto escola onde o aluno deve cumprir algumas horas/aula antes de fazer a prova. Enfim, essa habilitação de eleitor faria com que o cidadão soubesse da importância do que está fazendo, para que não vote apenas no candidato é mais engraçado, bonito, que tem o jingle mais grudento, que prometeu coisas impossíveis ou obrigatoriedade. Com esse diploma, o eleitor saberia votar com mais sabedoria e com certeza traria mais benefícios para seu município, estado e país.

Essa é uma ideia que pode ir contra o que a grande maioria preza pela tal “democracia”, mas acredito que enquanto não começarmos a filtrar de forma habilitada, as pessoas que escolhem o futuro do nosso pais, assim como importantes empresas fazem hoje para contratar seus profissionais e terem uma qualidade maior dos seus serviços, não teremos um desenvolvimento mais eficiente em saúde, educação, segurança e todas as áreas importantes que são as mais cobradas dos nossos representantes.
Enquanto não cobrarmos a qualidade dos eleitores, não temos muito direito de cobrar maior qualidade dos eleitos.

Agradecimento especial a Clarion de Laffalot

Arth Silva é escritor, desenhista, designer e redator publicitário, especialista em perder canetas azuis.
Autor do livro "Contos à Queima Roupa" e da coletânea de memórias dos idosos de Ituiutaba "Gavetas da memória".
Seus trabalhos literários podem ser lidos na página "Sonhando a Deriva".
fsarthur@yahoo.com.br

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A BOLA FUROU!

 









A BOLA FUROU!

Enio Ferreira - ALAMI
                     
Com os craques: Sarará, Loíso, Vilson Cascão, Chupinha, Galdino, Pancho, Neocir, Zé Abadio, Índio, Francês, entre outros, fundamos o Bandeirante Futebol Clube, usando um grande lote de terreno ali na Rua 22 com a Avenida 27 e 29.  
O nome foi uma homenagem à empresa “Móveis Bandeirantes”, que nos doou um novo jogo de camisas. A bola, agora bem surrada, era a mesma que o Dudu nos deu nos tempos do antigo time. Essa bola era a que tinha e ninguém reclamava.

Estreamos as novas camisas num belo domingo de manhã contra um time do Bairro Progresso. O jogo seguia bem e tinha tudo para ser uma bonita festa domingueira não fosse o vexame do furo da bola. Foi isso mesmo! A bola furou! 20 minutos de jogo e a bola furou. O time visitante esperando para continuar com o jogo e a nossa vergonha era grande.
Domingo de manhã comprar uma bola nova onde? Também ninguém tinha dinheiro ali naquela hora. O jeito foi seguir uma sugestão de um torcedor que via a nossa aflição.

“Ali na esquina mora o Antonio Almeida e ele treina um time de futebol e tem várias bolas guardadas, talvez ele empreste uma!”

“O sujeito é tenso pra caramba duvido que ele empreste uma bola para vocês!” - comentou outro torcedor -.

O Pancho (companheiro que resolvia tudo) disse que tinha coragem para ir lá ao vizinho e pedir uma bola emprestada. Fui com ele pra dar força.  

“E se o cara me destratar lá na porta da casa dele? – ia dizendo o Pancho –”

“Aí voltamos numa boa. Pelo menos tentamos, não é? – eu disse para animar.

“Se esse Antonio Almeida é um cara tenso ele vai me destratar na porta da casa dele. Vai dizer que se a gente quiser mesmo jogar futebol a primeira coisa a pensar é na própria bola. Vamos dar outro jeito e esquecer esse cara...”
                   
E eu insistia: “Calma... Pancho! Vamos com fé! O pessoal está esperando para continuar o jogo e o único jeito é pedir essa bola emprestada!”
 
E o Pancho ia prejulgando: “Esse cara é tenso e vai me destratar, vai me destratar, vai destratar...”

Chegamos à casa, bati palmas, o senhor Antonio Almeida abriu a porta e, sem mais nem menos, o atormentado Pancho apontou o dedo na cara do homem e disse exasperado: “O Senhor enfie essas suas bolas lá fundo da última gaveta!” - deu meia volta e voltou pisando duro -.

O homem ficou lá na porta, com cara de espanto, sem entender nada. Então pedi desculpas e expliquei sobre a nossa emergência. E não é que o cara era fino, educado e prestativo? Entendeu o nosso caso, emprestou duas bolas e ainda foi pro campo torcer por nós.        
    


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Crônicas de Saavedra




HONESTIDADE                                                                              
Saavedra Fontes






É triste a constatação, perdemos a confiança em nossos semelhantes e a crise geral é de honestidade. Para sermos mais explícitos, já não existem mais ingênuos simples e otários, no mundo de hoje. Mesmo sem talento todos querem passar por espertos, como se o termo amenizasse a pecha de “desonesto”, que é a palavra correta.
O honesto nos dias atuais é visto como um visionário, sonhador, idealista sem futuro, nefelibata sem racionalidade e valor, visto com maus olhos pelos próximos e distantes que os têm como tolos, covardes ou falsos, na melhor das hipóteses. A maioria dos políticos é corrupta, não goza de bons conceitos, mas consegue sistematicamente se reeleger, uma aberração aceita pelos eleitores. Os meios de comunicação estão sempre nos revelando novos escândalos, que parecem se multiplicarem cada vez mais. Cristo foi transformado num produto de mercado tão atraente, que religiões se enfrentam na mídia como empresas de forte concorrência. E a nossa fé se definha, martirizada e surpresa.
Se para fugirmos ao estresse de uma vida cheia de trabalho e preocupações, escaparmos do tédio, torcermos por um clube de futebol depositando nele toda a nossa emoção, ficamos sujeitos  às decepções. Os acordos, arranjos e desarranjos escusos dos chamados cartolas, que vêm nesse esporte mais do que uma simples diversão do povo, são uma indústria de interesses particulares ambiciosos e pouco elogiáveis.
As chamadas loterias que infestam o país, nada mais são que estereótipos dos jogos de azar, oficializados pelo governo que os aceita de forma legalizada e os proíbe nos meios privados. Mesmo com sorteios ao ar livre e na presença de público numeroso são cercadas de dúvidas e descrenças, tudo porque a honestidade não é levada a sério e o espírito de corpo é ponto de honra entre a maioria dos parlamentares.
Por isso vinga entre nós a ideia de que o mundo é dos velhacos, as pessoas corretas não passam de tolas e sem ambição. Toda essa inversão de valores sempre existiu como parte de nossa herança cultural, e foi sedimentando-se com o progresso dos meios de comunicação, que provocam o sensacionalismo para angariar audiência sem o devido cuidado com a influência das palavras e das imagens. O rádio e principalmente a televisão, invadiram todos os lares, do mais humilde casebre a mais luxuosa mansão, levando o deboche, a hipocrisia, a luxuria, os maus exemplos, a falsa realidade que foi aceita como forma moderna e correta de viver.
A violência, a pornografia, a falta de escrúpulos de uma programação voltada para o baixo consumismo, iludindo jovens incautos e sem estrutura educacional, vão se associando à miséria do corpo e do espírito para transformar o Homem no lixo social. Por isso a violência generalizada e a ausência de leis severas que a contenha.





quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Crônicas do Saavedra




 




QUANDO UM HOMEM CHORA
Saavedra Fontes




Moro em Ituiutaba há mais de 30 anos. Nesse período passaram pelo meu portão centenas de pobres excluídos, vítimas da crueldade do vício. Traziam no corpo e na alma as cicatrizes próprias do álcool e das drogas, escravos que eram da dependência. Muitos pelo dó que me causaram deixaram os nomes e as imagens só não deixaram saudades. Acho que foi melhor partirem do que suportar a vida que levavam. Eu não conseguia fazer muito por eles, atendia-lhes no que fosse possível, mas nunca deixava de lhes dar uns trocados ou um prato de comida, roupas usadas, cobertores, agasalhos, calçados, o que possuía na ocasião à disposição. Mas notei nesses anos todos que mais apreciavam a atenção que eu lhes dedicava do que qualquer outra coisa. Muitos se sentiam orgulhosos quando eu lhes estendia a mão devolvendo o cumprimento amigável ou lhes ouvia pacientemente as queixas. Reginaldo, alegre e fanfarrão tinha consciência de que seu destino seria trágico e não se entristecia por isso. Fabinho, que chorava diante das palavras de consolo não dava provas de remorso e mais um número enorme de pobres desconhecidos. Nenhum deles foi santo, sei bem disso. Mas eram Seres Humanos e poderiam ter levado uma vida diferente com a sorte e a oportunidade que não veio, porque uma vez o vício instalado é difícil erradicá-lo de certas pessoas. Entretanto nunca chorei por eles.
Mas hoje não consigo evitar a tristeza imensa que me invade, quando um novo tipo de pedinte me aparece sempre às sextas-feiras, dia de se drogarem suponho. Trata-se de uma mulher moça ainda, mas consumida em suas feições pelos estragos causados pelo “crack”. Não choro por ela, mas pela filha que traz consigo. Criança inocente levada em via-sacra pelos caminhos da depravação. Prostituindo-se para atender os apelos de sua dependência química, entregue à sua sorte através justamente daquela que tem por obrigação protegê-la. Faz algum tempo que não vejo mais as duas juntas. Talvez a criança, que aparenta ter de onze a doze anos de idade, tenha sido levada pelo Juizado da Infância e Juventude e entregue a um futuro melhor, não sei. Tomara que sim, pois foi um dos quadros mais triste da minha vida ver as duas perambulando pelas ruas de Ituiutaba, entregues a um destino cruel. Fabinho morreu assassinado e Reginaldo talvez de overdose ou de uma das muitas infecções malignas que existem por aí.
Quando vi essa menina pela última vez na companhia da mãe, não pude evitar as lágrimas pela revolta que se apossou de mim. Pois os seus olhos eram de uma criança triste, pareciam pedir o socorro que não vinha nunca, uma vez que paspalhos como eu não têm condição de agir e não sabem como fazê-lo. Penitencio-me pela autopiedade que se apossou de mim, tentando convencer-me de que a fragilidade de uma idade avançada pode oferecer-me a redenção. Talvez um dia, estando ainda vivo, eu possa reconciliar-me comigo mesmo e afastar o remorso de um crime que não cometi, mas pela omissão de não ter conseguido atender aquele olhar sofrido de uma criança maltratada e infeliz. Hoje eu sei que nada poderia fazer a não ser escrever uma crônica a respeito. Quem sabe alguém possa mais do que eu, vendo aquele olhar infantil carregado de mágoas, inspirado por Deus a encontre e a salve de uma vida miserável.


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Crônicas de Enio Ferreira










Batalha de gigantes
                                                   Enio Ferreira - ALAMI
  
O velho mestre ensinava as lições de experiências de vida aos seus jovens alunos e as suas jovens alunas dizendo que:

 - Dentro de mim e dentro cada um de vocês e, também, dentro de todas as outras pessoas, trava-se uma terrível batalha entre dois gigantes:  

- Um é de cor vermelha: Ele representa o temor e a raiva; o desgosto e a inveja; o desânimo e o arrependimento; a insolência e a culpa; o ressentimento, a apatia e a mentira.

- O outro é de cor azul: Ele representa a humildade e a paz; a esperança e o amor; a bondade e o companheirismo; a harmonia e a caridade; a piedade, a meiguice e a crença.  

- Essa batalha se trava dentro de todas as pessoas – reafirmava o velho mestre.  

Os jovens alunos e as jovens alunas ficaram a refletir sobre a essa lição. Uma dessas alunas – a mais atenta de todos ali - indagou do mestre:    

- Mestre, qual dos dois: O gigante vermelho ou o gigante azul terá mais força para vencer essa batalha?”

À qual o velho mestre respondeu:

- Isso cada pessoa que decide por si. Mas, com certeza vencerá o gigante que você alimentar!        

(texto adaptado de antiga lenda indígena)   






domingo, 3 de agosto de 2014

Crônicas de Diogo Vilela



 



O pacote é todo seu


Diogo Vilela





Hoje cedo vi uma criança comendo uma paçoquinha. Nada mais que duas mordidas são suficientes para que se finde uma dessa inteira e nem duas vezes se pensa antes de largar o papelzinho da embalagem ali, no chão mesmo. Esse tipo de situação, seja na rua, no ônibus ou em qualquer lugar sempre me incomodou.

O ponto (de interrogação) que mais me é recorrente quando presencio esse tipo de atitude por parte de alguém é o seguinte: quando você compra determinado produto, este vem embalado, certo? E, salvo as óbvias exceções a essa premissa, a embalagem é parte integrante do produto e não pode ser vendida separadamente. Sim, tudo isso é ridiculamente óbvio. Por que então não damos às embalagens tratamento de produto adquirido assim como os produtos que elas embalam? Pagamos também por elas, ora.

O fato é que temos uma tentação tremenda e imediata de satisfazer o que quer que seja com o produto que compramos e nessa ávida corrida muitas vezes não prestamos devida atenção nesse detalhe monstruoso: a embalagem do seu produto é responsabilidade sua também. A menos que você vá ao mercado com sua jarra e o vendedor amigavelmente lhe sirva o guaraná do almoço. Aí sim você estaria pagando somente pelo líquido. Porém a realidade é que pagamos pela embalagem e somos responsáveis por ela.

Se déssemos a mesma importância, seja de descarte ou consumo, às coisas que compramos muitas mazelas da atualidade como alagamentos em grandes centros e consequentes prejuízos (sem falar do impacto ambiental da baixíssima taxa de reciclagem) seriam evitados. Há ainda tempo de mitigar esses impactos.

Por agora nos resta honrar nossa condição bípede e assumir que o papel de bala é tão importante quanto nosso papel civilizado dentro da sociedade. Abra seu olho, porque o pacote é todo seu.







*Diogo Vilela
deeogoo@gmail.com












domingo, 27 de julho de 2014

OLHARES - Arth Silva

Olhares
[Arth Silva]

Sorrir com os olhos é encontrar alguém que não te desperte um amor a primeira vista, e sim um amor a todo instante.
Quem já teve alguém assim a ponto de gostar mais dos seus próprios olhos quando tinha os dela ou dele refletidos nos seus, sabe do que estou falando... 

Olhos de decote que não te deixam tirar os olhos...
Olhos de ressaca, que te embriagam e viciam.
Olhos de semáforo, que por segurança ou costume te fazem olhar atentamente até que mudem de repente e, com a língua do olhar, te dizem tudo que você deve ou não fazer. 
Olhos de bola de gude, olhos emoldurados por óculos... Olhos castanhos que te dizem tudo aquilo que sua boca nunca conseguiu pronunciar...

Olhos que sorriem mais do que a boca e a sua pupila morde cada palavra escrita por ela...

Quem já teve a esperança verde dos olhos de alguém sabe do que falo...



Arth Silva é escritor, desenhista, designer e redator publicitário, especialista em perder canetas azuis.
Autor do livro "Contos à Queima Roupa" e da coletânea de memórias dos idosos de Ituiutaba "Gavetas da memória".
Seus trabalhos literários podem ser lidos na página "Sonhando a Deriva".
fsarthur@yahoo.com.br

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Crônicas de Saavedra




FÉ, VIDA E MORTE             
Saavedra Fontes
                                                                                   
Vida e morte são os dois maiores mistérios que a humanidade tem que enfrentar. A não ser através da fé religiosa ninguém pode explicar porque nascemos e morremos ou de onde viemos e para onde vamos. Em algum momento, inconformado com o nosso destino, que nos leva inevitavelmente ao fim da vida depois de inúmeros transtornos, alguém entre os bárbaros da gênese, com o cérebro já evoluído, teve a brilhante ideia ou falsa convicção de criar a “fé”. E deveria ser uma coisa tão fortemente aguardada pelo homem, de forma intuitiva ou trágica, que acabou no decorrer dos tempos a fazer milhares e milhares de adeptos, que a introduziram na sua época cada um à sua maneira, para benefício próprio ou coletivo. E serviu para transformar em ilusões o medo, que transcende toda expectativa de conformismo e compreensão.
Os gregos, no ocidente, foram talvez os que melhores trataram do assunto, através de metáforas e símbolos mitológicos, impondo à superstição um ideal político, depois imitado por muitos outros povos. Se Hades reinava sobre os mortos, Tânatos era a personificação da morte, e como seu irmão gêmeo Hipnos, o sono, era filho de Érebo, as trevas e Nix, a noite. Morte, noite, sono e trevas eram figuras que se aproximavam do grande mistério sem explicá-lo.
Na opinião do cético uma simples equação matemática interpretaria melhor o fenômeno, que recusamos a entender: Nada = Vida + Morte = Nada. Todavia, toda e qualquer obra do pensamento é criação humana, permitindo que os termos da citada equação possam ser mudados, sem que isso venha a alterar sua incógnita fundamental. Nossa busca pela verdade, nosso anseio intuitivo pelos valores espirituais não nos permitem aceitar a morte como um fim, mas como um meio de prosseguir uma jornada rumo à evolução. È uma percepção natural de todos os homens, do mais inculto ao mais erudito, embora este por vaidade se rebele contra a idéia de submeter-se.
Daí o valor da FÉ. Fundamentá-la no poder histórico da Bíblia não é apenas uma ousadia, mas a consumação da nossa intrigante capacidade de busca eterna, que poderá um dia nos trazer a Verdade do jeito que ela é. Por que não crer com toda a disposição de nossa alma, se o contrário é triste, diminui nossa esperança, ameaça nossa paz de espírito e nos leva ao sarcasmo e à desilusão. Quantas vezes sentimos a presença daqueles que nos anteciparam no caminho de volta, mesmo sabendo da impossibilidade de que isso aconteça? Mas é uma sensação impossível de ser negada, que só não é corriqueira porque o nosso envolvimento com o mundo material nos absorve totalmente. Ao nascer abrimos os olhos para o mundo à nossa volta, só mais alguns poucos olham para dentro de si mesmos, para se surpreenderem ao descobrir impressa em nosso espírito a chama atávica da fé imorredoura. A vida é uma passagem, deixemo-la passar, mas continuemos na procura de sua origem. E a melhor ferramenta para tal é esta minúscula palavra de peso incalculável.###


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Crônicas de Maria Adelina



NAQUELE TEMPO (1959)


Naquele tempo infância tinha conotação diferente, de hoje em dia.
Carrinhos feitos rusticamente de caixotões no fundo do quintal,
patinete, estilingue eram brinquedos escolhidos pelos meninos.
As meninas adoravam as bonecas de pano, o fogãozinho de barro,
feito pelo avô atencioso, para brincar de casinha.
O balanço improvisado, amarrado no galho da mangueira apinhada de frutos tão doces, alvo dos estilingues dos meninos que saboreavam sob a sombra generosa, o fruto de graça, com graça...
Depois do jantar frugal, assentávamos no alpendre para apreciar 
o parco movimento da rua, observando atentamente, a volta dos trabalhadores pedalando energicamente,
suas velhas bicicletas, suspirando pelo  jantar.
Não tardava chegar os vagalumes para cintilar a noite...
Naquele tempo a graça estava na simplicidade, na espontânea paisagem, no embalo do vento indo e vindo, correndo parelha com o tempo...
Naquele tempo as manhãs ficavam interessantes no  debruçar nas janelas para apreciar os meninos entregando jornais, o verdureiro vendilhão pesando abobrinhas, mandiocas e limões,
no meio da rua.
Naquele tempo ouvíamos extasiados pelo rádio, a narração das novelas.
Aquele tempo ficou guardado, as melhores lembranças, sem páreo para substitutas lembranças...
Naquele tempo portas e janelas estava sempre aberta a espera do sol, ou de algum parente ou amigo, para trocar conversa, tomar café com pão de queijo, comer goiabada cascão com  queijo flamengo fresquinho. Naquele tempo receber, e ser recebido eram dádiva de DEUS.
Naquele tempo sentar-se  ao redor da mesa, para compartilhar pão e queijo, era ideal de vida.
Hoje o tempo veloz apressa, empurra, emperra tudo, fecha portas e janelas de medo. Naquele tempo, agregação familiar, amizades solidificadas pelas décadas, eram bênçãos preferidas pela  vida, feito raro nos dias de hoje, infelizmente. Naquele tempo.
Rendo-me aquele tempo, à aquele tempo!...  


Maria Adelina Vieira Cardoso e Gomes

Acadêmica da ALAMI
 
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