terça-feira, 26 de setembro de 2017

Crônicas de Ricardo Abalém














Ricardo Abalém


Saída Estratégica


O término das apurações marca o final de mais uma eleição. Em meio a muita festa, a vitória do novo governador é comemorada em todo o Estado das Minas Gerais. Os partidos e seus candidatos, vitoriosos e derrotados, depõem as “armas” e recolhem a vida normal, longe do mundo agitado da campanha. Enquanto o governo, no mando, prepara para passar o comando aos novos mandatários, que iniciam a árdua tarefa de compor uma nova administração. A escolha dos nomes de secretários e principais assessores, a composição do novo governo, é a mais difícil tarefa para o novo Mandatário. São tantos os companheiros e poucos cargos. Eis aí a dificuldade para acertar os acordos firmados.
E foi em um monumental comício de agradecimentos, realizado diante do Palácio da Liberdade, na capital mineira, que iniciou o sofrimento do governador eleito. Um companheiro do candidato vencedor, antes de seu discurso final, abraçou fraternalmente e lhe disse baixinho: “Doutor eu sou o Júlio da Zona da Mata. Lembra-se de mim? Eu lhe dei muitos votos em minha região e vou aguardar minha nomeação para uma das secretarias de seu governo. Afinal, como advogado, eu encaixo em qualquer pasta”. Vamos ver companheiro! Procura-me depois! Foi esta a saída do político ao impertinente companheiro! Não parou por aí. Todos os dias o Julio conseguia, não se sabe por que meios, falar ao telefone com o companheiro. E a história se repetia. Cobrava do novo governador o cargo de secretário em seu governo, apresentando sempre a mesma justificativa. Uma semana para a posse, o novo Governador anunciou o nome de 80% de seu secretariado. Como o nome do Júlio não apareceu, usando todo o seu prestígio, resolveu procurar a imprensa para uma coletiva. Para pressionar o governador ele afirmou que seria secretário de Estado do Novo Governo e que o novo Chefe do Executivo divulgaria a sua decisão, nas próximas 24 horas. Os principais órgãos de comunicação do Estado divulgaram a notícia com destaque. Passavam-se os dias e nada da indicação. Mas, o Júlio não desistiu de seu intento. Na porta da residência do novo mandatário mineiro, quando este saia para tomar posse, Julio reuniu todos os órgãos de imprensa e disse aos repórteres: “Um momento, amigos. Vamos ouvir o Doutor que tem uma importante declaração a fazer, com relação a minha nomeação! Pode falar Governador!”.
Pois não, disse o Governador. O meu grande amigo e correligionário Julio é uma pessoa da mais alta competência e de minha inteira confiança. Apesar dos meus constantes e reiterados apelos para que ele ocupasse uma Secretaria de Estado, em meu governo, este não aceitou. Melhores esclarecimentos, a respeito, vocês poderão colher com o meu companheiro Júlio, aqui ao lado. Um abraço a todos e os espero daqui a pouco em nossa posse.
Júlio perplexo com a resposta do futuro mandatário mineiro iniciou junto aos repórteres uma entrevista para explicar os fatos. Conclusão: “nunca se deve cutucar uma onça com vara curta e muito menos, uma raposa”.

27 de maio de 2010
Ricardo Abalem.


Casos de palanque político

Como coordenador e apresentador, em aproximadamente meio século, de comícios de acirradas campanhas políticas, em Ituiutaba, Pontal Mineiro, Triângulo e Alto Paranaíba, presenciei muitos acontecimentos hilários, que merecem ser registrados. A nossa função não era somente apresentar os candidatos, ajudava na montagem dos palanques e como jornalista e radialista, preparava os textos, que eram decorados pelos candidatos que não tinham muito contato com microfones. Muitos eram tímidos e precisavam de “incentivo” para comunicar com os eleitores. O número resumido de partidos tornava Ituiutaba, polo regional. E assim, o MDB, depois PMDB, ajudava todos os correligionários nas cidades da Região do Pontal, especialmente, na coordenação de suntuosos comícios, verdadeiras festas cívicas.
E foi assim, que em um comício animado, numa vizinha cidade da região, presenciamos o seguinte fato. Sempre que realizávamos um comício usávamos dois caminhões. Unindo as partes traseiras dos veículos fazíamos dois palcos: um para os candidatos discursarem e o outro, para os artistas, lideranças políticas e simpatizantes. Era costume, com os dois caminhões lotados, um público sempre recorde, deixarmos as grades laterais erguidas, onde os candidatos e demais oradores apoiavam os pés para comunicar com seus eleitores. O que não era bem visto pela coordenação. Neste dia, dado ao grande número de pessoas que se posicionavam a frente do palanque, resolvemos mudar. Baixamos as grades dos Caminhões. Como acontece em todos os comícios, em baixo, a frente do palanque, sempre aparecia um bêbado para perturbar. Esse dia apareceram dois. Com o comício em andamento, na hora de anunciar o pretendente a prefeito, me chegava um candidato a vereador. Era esta sua estratégia, sempre que estava para anunciar o orador principal ele aparecia. Chegava à frente, colocava um dos pés na grade. Eu anunciava seu nome, e ele levantava seus braços saudando o povo e saia de cena. Neste dia, ele chegou atrasado e eu não o vi. Abrindo caminho entre os seus colegas chegou à frente levantou os dois braços e quando levou o seu pé para apoiar na grade do caminhão, não a encontrou e caiu, literalmente, nos braços do povo. E a multidão caiu em gargalhada. E eu tinha que encontrar urgentemente uma saída que justificasse o incidente. E coloquei em prática a primeira ideia que me veio à cabeça: meus amigos! Vamos aplaudir o nosso candidato que tomado de Emoção, caiu nos braços de seus eleitores. E um dos bêbados! O mais falante! Gritou bem alto: seu Ricardo! Eu bebo há mais de 20 anos! Conheço todas as cachaças, mais esta tal de Emoção eu nunca vi falar. As risadas triplicaram em meio da multidão e eu não tive alternativa. Alterei a programação, anunciando uma atração artística.


Ricardo Abalem




terça-feira, 19 de setembro de 2017

Crônicas de José Moreira Filho

 












A GRAÇA DA GRAÇA
José Moreira Filho - ALAMI -

            Existe uma música, um pouco antiga, de um conterrâneo nosso que tem um verso assim: “vi que a graça nunca vem de graça e os pecados eu paguei primeiro”. Ao ouvir esse poema talvez pela enésima vez, percebi a realidade que o autor quer mostrar. Se minha reflexão estiver correta, imagino que a graça é um dom, é verdade, e como tal não tem como buscá-la, comprá-la ou inventá-la, mas nunca vem de graça. É preciso merecê-la. É preciso estar aberto para recebê-la, é preciso um coração desarmado, sem armaduras, sem trincheiras, sem barreiras e taramelas. Há pessoas que vivem assim, ensimesmadas. Fazem segredos de tudo, se fecham em copas e seu coração fica insosso e principalmente sem a graça. Torna-se um terreno árduo onde a semente da graça não brota. É preciso o adubo da espontaneidade, a água da alegria e o sol do riso para alimentar essa plantinha. É preciso graça para receber a graça. Daí, devagar, ela vai brotando, crescendo e acaba se tornando um arbusto forte, dando frutos que alimentam o espírito.
            Assim, dependendo de nossa disponibilidade, da propriedade do terreno, a graça pode ser de várias espécies. Pode vir sob a forma de felicidade, de desapego, de solidariedade, de amizade verdadeira, de fé ou de amor. O fruto mais doce dessa árvore é o amor. Há pessoas que nunca receberam essa graça – não conseguem amar. Não se amam e não amam ninguém. Talvez se apaixonem e até matem dizendo ser por amor. Ledo engano! Quando se ama de verdade, só se quer o bem do ser amado. O coração fica repleto dessa graça e, portanto, não há espaço para ervas daninhas como o ódio, o ciúme, e o desrespeito. Quanta paixão tem torturado tantas mulheres nesse país!
Importante ter em mente que toda planta requer cuidados, e quanto mais nobre, maior deve ser a preocupação em lidar com ela. Há pessoas que não conseguem cultivar orquídeas, nem tulipas ou nem mesmo bem-me-quer. O amor é a mais nobre das graças recebidas. É preciso cultivá-lo para que possa crescer infinitamente, pois Deus é amor e Deus é infinito. Outro aspecto de igual importância é o reconhecimento dos dons recebidos, bem como da responsabilidade que os acompanha. Um músico de renome deve saber que seu dom precisa prestar serviços, precisa ser motivo de alegria, de felicidade para seus semelhantes. Um orador que recebeu o dom da palavra, não pode enterrar esse talento, mas ser um arauto do bem. Usar essa graça para difundir a verdade, a ética e a justiça. Assim deve ser o escritor, o sacerdote, o médico, o engenheiro. O melhor de tudo é que esse reconhecimento não exige necessariamente inteligência, mas sim sabedoria. A sabedoria permite ao ser humano identificar seus erros, corrigi-los e principalmente evitar sua reincidência. É através da sabedoria que podemos ordenar hierarquicamente os valores humanos, e assim poder apreciar sua utilidade em nossa vida, pois é com ela que perscrutamos a essência dos fatos, sabendo até que ponto podemos permitir que nos atinjam. E com certeza, vamos identificar aquela facilidade que temos, como uma graça recebida e então explorá-la para o bem de todos. E para quem quiser corroborar sua graça com a fé, encontra em Efésios 2:8-9: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie. ”
      José Moreira Filho


FAMÍLIA


            É sabido e constatado que a família tem sofrido, no decorrer dos tempos, toda sorte de interferência, positiva e negativa, do mundo contemporâneo. Influências que, queiramos ou não, tem modificado o comportamento das novas gerações em muitos aspectos.
            É comum vermos pais desesperados, professores aflitos e policiais apavorados diante, respectivamente, da reação dos filhos, dos alunos e dos adolescentes malfeitores. Geração que é fruto de uma série de fatores sociais, que por inovações aceleradas e acompanhamento lento e inadequado, possibilitou o surgimento do descompromisso, da insegurança, da irresponsabilidade e consequentemente da incompetência.
            O que procura a maioria de nossos jovens hoje? Não é o ser, mas o ter. E em muitos casos, o que é pior, procura o parecer ter. Não foi sempre assim. No decorrer dos tempos houve modificações importantes. Vejamos: em outros tempos as funções na família eram bem delineadas. O pai era o provedor e, portanto, era quem tinha o mando, era cultuado por respeito ou por receio. A mãe era a matrona, respondia pela lida da casa, educação dos filhos e a satisfação do marido. Seus sonhos e desejos eram secundários. E os filhos, aquela enorme prole, seguia as orientações, e quase sempre a profissão do patriarca. A mobilidade social era restrita e a família acabava sendo um bloco único formado de pai, mãe, filhos, netos e agregados. Hoje, talvez, já não podemos falar em um modelo único de família, pois várias configurações tem se formado, em função das mudanças econômicas, políticas e religiosas. Pois, a manutenção do lar pode ser feita pela mulher, que hoje já é uma profissional em pé de igualdade com o homem. Há famílias sem a presença do pai, como também há aquelas sem a presença da mãe, e inclusive, com a abertura legal, existe a família chamada homossexual. 
            O que não podemos nos esquecer, é que, apesar de tudo isso, algumas funções continuam sendo da família, principalmente no que se refere à educação. Pois valores fundamentais devem ser plantados a partir do útero materno. É no seio da família que se forma o caráter, o respeito por si e pelos os outros, a solidariedade, a honradez, a religiosidade e o amor. Essa função, como tem acontecido hoje, não pode ser delegada para a escola. A criança deve chegar à escola já com as sementes desses valores, onde deverão, isso sim, serem cultivadas. Nesse sentido presenciamos hoje uma polêmica: Quem deve orientar sexualmente nossos jovens e adolescentes? Quem tem a responsabilidade, a competência e o conhecimento para tal tarefa? Qual modelo de família é o mais adequado para isso? Aos pais, na atual configuração social, falta a presença e à escola ainda falta formação.
            Enquanto isso, é necessário que reflitamos bem para encontrarmos o caminho mais salutar. Mais do que nunca, família e escola devem se dar as mãos, pois são os únicos que diretamente tem acesso e influência sobre essa camada da sociedade.
            Quem sabe assim, muitos outros possam depois repetir com o padre Zezinho: “Das muitas coisas Do meu tempo de criança Guardo vivo na lembrança O aconchego de meu lar.” E como ele, possamos chamar a isso de paz e não de utopia.

Jose Moreira Filho


domingo, 17 de setembro de 2017

Crônicas de Wilter Furtado


















Estamos vivendo a quarta guerra mundial.

         Prof. Wilter Furtado


O Brasil está vivendo uma verdadeira crise existencial no que diz respeito à moral e a ética no seio de algumas de suas instituições. A desordem, a infidelidade, a corrupção, o nepotismo, o desrespeito às leis, o roubo, o furto, a desobediência civil etc. mancham todos os dias as páginas dos nossos noticiários. De todas as instituições, a política é a que mais denigre a imagem do brasileiro e do país, envergonhando-nos e desanimando-nos.

A  (IN)EVOLUÇÃO  DO  HOMEM
Tais fatos nos fazem lembrar Albert Einstein, um dos maiores cientistas que humanidade conheceu, alias o conheceu mais pelas teorias da Relatividade Restrita e da Eletromagnética da Luz, e menos, infelizmente, pela genialidade filosófica que possuía. Certa feita, emitindo o seu ponto de vista sobre o desenrolar de uma virtual 3 ª guerra mundial, ele, com a genialidade que lhe era peculiar, respondeu de pronto: “quanto a terceira guerra mundial eu não sei, mas a quarta, com certeza será travada com tacapes, flechas e machados”. Nas palavras de Einstein estão claras a sua preocupação e a sua certeza com a (in) evolução do homem e do seu caráter.
A visão de outro gênio, Ruy Barbosa não foi diferente. Um dos políticos mais íntegros da história do país, quiçá um dos poucos, pelo menos é o que a história está nos mostrando, e um dos maiores escritores do Brasil, nos deixou um texto que mais atual é impossível. Naquele texto entre tantas frases geniais lembramo-nos: “de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescerem as injustiças, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver agigantaram-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto” (grifos nosso).

A QUARTA GUERRA
Ficou claro na visão destes dois expoentes que a quarta guerra mundial seria uma guerra dos honestos e dos justos contra a degradação do homem; contra a imoralidade de seus atos; contra a sua postura aética; contra a sua desonestidade; contra a nulidade de suas ações no sentido de fazer o bem coletivo; contra as tantas injustiças que ele comete com os menos favorecidos e contra a desonra que ele provoca na vida do seu semelhante; e por fim, contra a própria consciência. Tudo aquilo, praticado na defesa de falsidades: falsa democracia, falsa ideologia e falso desejo de igualdade social, que na verdade não lhes interessam. O homem está voltando ao estágio primata de sua existência defendendo simplesmente a sua individualidade e a sua sobrevivência, não importando se para isso precise matar, corromper, aviltar, roubar etc.

OS SINAIS DO APOCALÍPSE
A verdade é que não dá mais para agüentar. As notícias sobre os Poderes Executivos (presidentes, governadores e prefeitos) revelam incontáveis casos em que eles agem na calada da noite e que escondem por detrás dos mantos negros do poder, as suas ações inescrupulosas e até criminosas. Os desvios de verbas, a manipulação dos orçamentos, o nepotismo, o favorecimento, os acordos esdrúxulos, os gastos com as campanhas, o corporativismo etc. estão sempre nas manchetes. Manipulam pessoas e mentes com o intuito de impedir que a desonra, que a injustiça e que a afronta praticam contra os valores e contra a cultura e contra o dinheiro dos incautos e pobres, se tornem foices para cortar os seus próprios pescoços. O faraonismo e a respectiva propaganda de suas obras; a falta de ética e a imoralidade de suas campanhas, explorando a pobreza, o desemprego e todos os problemas sociais, por incrível que possa parecer, os conduzem ao poder como verdadeiros salvadores da pátria.
As câmaras legislativas (federais, estaduais municipais e o próprio Senado) não são diferentes. As notícias são estarrecedoras. Alguns de seus membros e até partidos políticos inteiros usam e abusam do poder de legislar em causa própria, de corromper, de vender e de comprar interesses, de tirar vantagens financeiras e políticas do cargo, de “negociar” (no sentido pejorativo do termo), de pressionar, de praticar a infidelidade, de fraudar ou cometer dolos em nome do povo que alias, não lhes delegou tais atribuições, pelo menos na sua ingênua e boa intenção. As histórias recentes e passadas estão nos mostrando e não há como fechar os olhos para tudo isso. Os Poderes Legislativos estão sendo enterrados nas lamas dos próprios salões, construídos pela ingênua esperança do povo.
É inadmissível, mas até no Poder Judiciário, embora com muitas e boas exceções, pois a instituição está se renovando, as coisas também não são diferentes. As notícias de corrupções, de apropriações, de favorecimentos próprios ou a terceiros, de conivências com o erro, com o crime e com a fraude, estampam as manchetes das mídias. A ética e a moral se perdem debaixo das togas, símbolo do poder e do respeito. Os atos e as ações deformados, as mazelas e os erros se escondem por labirintos intransponíveis, oriundos das complexidades das leis e do cargo.
Analisando com frieza veremos que a crise ética e moral pela qual o país está passando, está se agravando a cada dia. Se ela não é por essência e na visão de interessados a mais grave, é sem dúvida, a causa principal das crises econômicas, sociais e políticas. Sob esta ótica estamos diante de uma verdadeira e grande guerra contra esse estado de coisas. Mas, a guerra pior é contra a nossa própria consciência e revolta, pois insistem em nos arremessar para o fundo do poço. Que Deus nos ajude a resistir à tentação. Não podemos desanimar da virtude, aprender a rir da honra e jamais, ter a vergonha de sermos honestos. Estamos vivendo a quarta guerra mundial.   



Lady Di – De divindade a simples mortal
20 anos depois

Wilter Furtado


Num mundo tão carente de ídolos, quando um morre, causa comoção coletiva. Foi assim com Airton Sena, Kennedy, Lennon, Elvis, etc., apenas citando alguns. Foi assim com Lady Di, no fatídico 5 de setembro de 1997. Antes de conjecturarmos sobre as causas ou sobre os responsáveis pelo acidente que ceifou sua vida, juntamente com a vida de seu namorado e do motorista; antes de conjecturarmos sobre as intenções dos fotógrafos (paparazzi) questionando se eles cumpriam uma missão profissional; devemos refletir sobre esta e sobre outras tantas tragédias que recaíram sobre determinados ídolos, com uma visão de transcendência existencial, porque é assim que o ídolo se faz, conquista o seu espaço e desempenha o seu papel.

Se analisarmos o passado próximo à morte de Diana, verificaremos que ela enfrentou várias tragédias, menores é claro, no sentido de existência da vida, mas importantes, a ponto de mobilizar todos os seus súditos. Enfrentou uma infância difícil com a separação dos pais, rompeu com seus valores culturais ao se casar com um príncipe, desafiou uma dinastia, tentou suicídio várias vezes, fincou raízes profundas em ações filantrópicas e sociais, buscou a felicidade a qualquer preço, e por fim, tentou resgatar uma privacidade que já não lhe era mais permitida. Discutir a sua privacidade como pessoa é discutir o óbvio, agora, discuti-la como direito de um ídolo, é negar a própria essência da adoração.

 Tudo isso, na vida de uma pessoa comum, não traria tantos problemas e reflexos coletivos, mas na vida de um ídolo, ressalta a capacidade que ele tem em suscitar uma relação muito estreita entre o ódio e o amor. Já há algum tempo era esta, a relação entre Lady Di e a imprensa; era esta a relação entre a imprensa e seus súditos, e; entre ela e várias pessoas do círculo das celebridades.

Sempre haverá alguém a defender com demasiado respeito ou excessivo afeto o seu ídolo; sempre haverá alguém que o condenará como símbolo da perfeição, exatamente por sê-lo; sem o direito de errar, de fraquejar, ou de ser individual. Num outro enfoque, numa sociedade de símbolos, Diana não poderia matar grande parte da crença em uma sociedade mais justa, mais humana, mais livre e mais feliz. Na verdade, como todos nós, simples mortais, Lady Di, sem eixo, buscava o seu centro, numa metamorfose paradoxal de valores e de informações, cristalizados nesta sociedade, dita pós-moderna. Uma Lei de Cão

               
DIÁLOGO COM CÃO

                O fato é verídico. O diálogo com meu cão, é fruto de sua imaginação! 
                Depois de um dia “de cão”, dado o calor e a quantidade de trabalho e penalizado ao ver meu cão batendo-se pelo calor, resolvo buscar um ar mais respirável e fazer uma pequena caminhada em sua companhia, na avenida na qual fica a minha residência. 
                De repente, sou interpelado por uma viatura do corpo de bombeiros da qual desceram ao mesmo tempo, três policiais. Abordaram-me, por sinal de forma muito educada e gentil, e disseram:
----Temos uma denúncia contra o seu cão.
__???!!!
                Não consegui a princípio, entender e nem responder nada. Apenas os olhei. Olhei para o cão de forma interrogativa, como se quisesse uma resposta. Afinal o que você, um cão adestrado, obediente, dócil (fora do ambiente da casa) fez, a não ser ficar o dia todo fechado em casa, sem perturbar ou agredir ninguém? Apenas, esperando pelo carinho do seu dono!
                Babando de tanto calor o Gão, (é o seu nome), olhou-me quase que resignadamente. Baixou a cabeça, preso e inerte pelo enforcador que sempre uso (ou melhor, ele usa!), passando-me a certeza de que realmente não havia feito nada de errado, para ser denunciado. Desviou seu olhar. Percebi que fez isso por educação, vergonha e respeito. Nunca tinha feito isso. Alias, se fosse um ser humano, não olhar nos olhos me causaria desconfiança, principalmente se denunciante anônimo. Dele não! Ele sempre foi fiel, leal, e me olha de frente! Com muito carinho!
                Muito gentis e falando ao mesmo tempo, os três policiais tentavam orientar pelo crime cometido pelo meu cão. Relataram que uma nova lei estadual proíbe que os cães com mais de 25 quilos passeiem com os seus donos, principalmente em ruas em que exista fluxo de pessoas???!!!! – A não ser, disseram, no período das 22 horas até as 6 horas, ou com “fucinheira” para que assim não agridam ninguém. Adiantaram que naquele momento estavam apenas orientando quem não conhecia a lei, ressaltando que na verdade, a lei mandava que o cão fosse preso. Estavam, portanto, fazendo uma concessão!
                Como bons cidadãos que respeitam as leis, mesmo que sejam para cachorros, interrompemos a caminhada e rumamos para casa. O cão me olhava, eu olhava para o cão. Nosso diálogo era sobre qual o advogado que pegaria a causa, caso ele fosse preso. Indaguei-o sobre o seu advogado, mas ele não sabia responder. Seu caso é inédito. No trajeto, encontramos no mínimo dois cães, que deveriam pesar mais de 30 quilos, circulando livremente, sem dono, sem coleira, e sem nenhuma intervenção da polícia; famintos, em volta de um carrinho de lanche, cheio de pessoas. Deve ser porque não haviam sido e denunciados!
                ---Esperto você, hem , Gão!
                Quando parecia que ambos estávamos satisfeitos e subjugados aos fatos, percebo pelo seu olhar uma certa indignação, voltando-se para a rua que deixávamos para trás, com tantos irmãos passeando livremente, famintos, sem cuidados, sem dono, sem coleira. Mas, um bom cidadão e um bom cão, também se preocupam com as leis. Prometi e resolvi: iria ler e interpretar a “bendita” lei. 
                Não sei como vou explicar o resultado para o meu fiel amigo. Com certeza não conseguirei, assim como, não consegui explicar a mim mesmo. Tentei...Primeiramente lhe falei que infelizmente, deverá usar uma “fucinheira”, se quisermos passear juntos. Expliquei-lhe que a lei não considera a raça, índole, formação, nem a sua capacitação, e; que não resguarda a minha responsabilidade por ele não fazer nada, fazendo-me responsável, somente se ele agredir alguém. Daí vem o meu embaraço. Tentamos estender o raciocínio.
___ Quer dizer que todas aquelas horas de sacrifício, educação, treinamento, testes que você fazia comigo, não fazem diferenças perante esta lei? ___E o meu certificado de treinamento?
___!!!??? - Respondi com um triste olhar. Ele insistia.
___ O que será então dos meus irmãos, soltos na rua?
                Tentei ponderar:
----para tais casos, a lei manda que uma viatura os leve e em algum lugar, aplique uma injeçãozinha e os fazem dormir para sempre! Ele não se conformou.
___ E a sociedade protetora dos animais?!!
                Responder o que? Mas, eu precisava convencê-lo de alguma forma.
___Todos são iguais, perante a lei!!! ___ Afinal, elas derivam dos usos e costumes e pelo que parece, os legisladores conhecem a fundo o comportamento dos cães e de seus donos, e deduziram que todos os donos e todos os cães, são iguais. Todos os donos são irresponsáveis e todos os cães são violentos e agressivos! Aliás, desde que pesem mais de 25 quilos. Ele continuou inconformado.
___Todo pitbull pesa mais de 25 quilos???
___Não...Bem...Tento, engasgado.
___Acho que essa história está mal contada. Estou sentido que estou virando pitbull!. Nossa raça está “frita” !
___??? Não tive mais argumentos. Mas, ele insistiu.
___ Se, nossos legisladores não entendem nada de cão, vão entender de que?
___ Acho melhor procurarmos uma academia, para cães!  Tento contemporizar.
___ De novo?!!  Não!!!! – Retruca, impaciente. 
                Não vou dizer o que pensei. Isso me pertence. Mas se disserem que falei alguma coisa, direi que é mentira!

WILTER FURTADO - ALAMI

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Crônicas Edgar Franco


Crônicas do Ciberpajé Edgar Franco 5
















Sem a prática a teoria é somente ficção!

            Eu acredito que o mundo ocidental foi contaminado por uma verborragia sem fim, a linguagem escrita evoluiu de maneira sórdida por esses lados do globo, pois numa certa medida ela tornou-se mais importante do que aquilo que tenta representar ou explicar! Muitas vezes tratados acadêmicos que se propõem a analisar um fenômeno, engolem o fenômeno, ou melhor, passam a ter mais importância do que o fenômeno no contexto da cultura. Outro exemplo contundente são as religiões preponderantes no ocidente, no princípio a religião era a busca da transcendência; busca por outros níveis de consciência, o ritual tinha o papel de criar essas conexões, como ainda tem em algumas práticas do oriente – a meditação é um bom exemplo. Mas por aqui a religião tornou-se mais um dos universos da verborragia estanque.
            A filosofia oriental é a da ação, a filosofia ocidental a dos tratados verborrágicos. A coisa é tão ridícula que um diretor de uma faculdade de filosofia de uma grande universidade brasileira, meu conhecido, disse-me que tudo que já podia ser escrito sobre o homem já foi escrito pelos grandes filósofos e agora o papel da universidade é analisar esses discursos! Isso é deprimente, dezenas de teóricos engessados que passam anos de sua vida interpretando, como engajados hermetistas, o que outros disseram sobre o homem e a vida e com isso esquecem de viver, ou seja, de terem suas próprias vidas e chegarem às suas conclusões sobre o que é o viver. Com isso vamos vivendo a vida dos outros!
            Num contexto como o do Brasil, uma cultura que sofre com esse estigma da colonização, eu vejo centenas de acadêmicos engomadinhos que repetem os discursos importados, principalmente da Europa, e não conseguem produzir seu próprio pensamento. Precisam de muletas pra viver, usam as palavras e conceitos dos pensadores da moda e ou os clássicos pra esconderem sua mediocridade, sua falta de coragem pra experienciar a vida e pra chegar às suas próprias conclusões sobre o mundo. São os chamados “papagaios de pirata”, vão repetir as ideias alheias e morrerem vazios! Eu não digo que devemos nos isolar, de forma alguma, temos que nos contaminar de todas as reflexões, conhecermos o que pensam nossos pares pelo mundo afora, mas daí a ficar replicando a experiência dos outros, isso não!
            Eu me dou o direito de VIVER, me dou o direito de ter minhas próprias ideias sobre o mundo e a vida, podem não ser as melhores, mais requintadas, ou na moda, mas são minhas ideias! A EXPERIÊNCIA sobrepuja sempre para mim a TEORIA! Por isso se alguém que teoriza sobre um assunto não tem experiência prática não me interessa! Teóricos da fotografia que não fotografam? Críticos literários que nunca escreveram um poema? Filósofos que se dedicam a analisar a obra dos outros? Para mim isso é verborragia, nada de verdadeiramente transformador pode nascer da simples metodologização, não tenho tempo a perder com isso! Pra você conhecer todo e qualquer fenômeno você precisa experienciá-lo, pois todo o resto será PURA FICÇÃO! Então, pra mim o ato criador está sempre em primeiro lugar, pois ele é a vivência completa daquela forma de expressão, toda a minha produção como teórico nasce do ato criativo, são indissociáveis a criação e a teorização. Eu vejo que a falta de experiência e o mergulho das pessoas na teoria pura as embrutece, produz dogmas, as entristece, as enfeia, por isso os acadêmicos, principalmente os das ciências humanas, amam as teorias mais desesperançosas e niilistas, elas refletem o vazio de suas vidas, vidas não vividas.

Edgar Franco é Ciberpajé, artista transmídia, pós-doutor em artes pela UnB, doutor em artes pela USP, mestre em multimeios pela Unicamp e professor do Programa de Doutorado em Arte e Cultura Visual da UFG. Acadêmico da ALAMI, possui obras premiadas nacionalmente nas áreas de arte e tecnologia e histórias em quadrinhos. ciberpaje@gmail.com


Crônicas de Jair Humberto Rosa











DOMINGO


Jair Humberto Rosa

Domingo de manhã, impreterivelmente às sete horas, ele estava na igreja assistindo à missa. Metódico e pontual, ele chegava sempre dez minutos antes, para acomodar-se sem incomodar ninguém.
Desde quando a mãe falecera, sentia-se impelido a dedicar-se à prática religiosa; enquanto ela vivia, pouco frequentava a igreja, limitando-se aos casamentos e batizados para os quais era convidado e, de vez em quando, lembrado pela mãe, dava o ar de sua graça em uma missa.
Não era um filho obediente, mas quando ela fazia um pedido que podia atender, esforçava-se. Porém com o falecimento daquela que tentara a vida toda fazer do único filho um praticante dedicado à religião, um desejo quase incontrolável o conduzia para o atendimento póstumo dessa exigência materna. Nunca se casou, nem teve filhos e até os cinquenta anos era frequentador pouco assíduo de casas de prostituição. Depois da morte da mãe, a apatia venceu o desejo, acomodou-se. A igreja, então, passou a ter mais significado, sendo uma das poucas relações sociais que exercia. Embora a missa de domingo de manhã sempre contasse com sua presença, frequentava também outras, sem, entretanto, ter o mesmo compromisso que assumira consigo mesmo em relação àquela que a mãe ensinara ser a principal missa rezada na Matriz.
Muitas vezes ia também no sábado à noite, aquela missa em que as mulheres compareciam mais bem vestidas, desfilando elegância. Já no meio da semana, ele era menos frequente nas celebrações religiosas.
Entregou-se à devoção e depositou todas as suas esperanças em Deus, na certeza de que seus problemas teriam uma rápida solução. Todo domingo ia à igreja para encontrar seu salvador, saía de certa forma aliviado, embora acordasse na manhã de segunda feira com a sensação de aperto na garganta, como se estivesse sendo asfixiado. A sensação persistia até a manhã de domingo.
Assim levava a vida, esperando a solução divina. Entretanto, à medida que o tempo ia passando, mais aumentava a angústia, e suas forças iam sendo minadas.
Até que numa tarde de domingo, a já frágil sensação de alívio conquistada na missa a que compareceu de manhã tendo desaparecido, sentiu que não tinha mais forças para persistir.
Cansado de esperar que Deus fosse livrá-lo da angústia, à tarde voltou à igreja, subiu as escadas da torre até o topo, resolvido a ir ao encontro d’Ele.






Crônicas de Eliane Gouveia









- Maratona de crônicas -
     - sete textos -

Eliane Gouveia



01
O VESTIDO DE FESTA

Mal a Avó pisou no Apê e a Menininha já a estava puxando pela mão.
_ Vó, vem cá ver uma coisa!
A Avó tentou enrolar um pouco:
_ Peraí, dexô tirar meu sapato.
_ Vem, Vó, vem ver uma coisa!
_ Péra, vou deixar as malas no quarto.
_ Vem, vem, por favor, Vó!
Até que a Avó cedeu e foi.
A “coisa” era uma sacola da “Minêi” com roupinhas de boneca. 
Continha um vestidinho, um “bêibidol” e uma fraldinha descartável.
_ Que gracinha, você fez a mala da sua filhinha? 
_ Fiz!
_ Num sabia que ela também ia viajar conosco!
_ Vai, Vó, mas ainda não tem roupa para a festa.
Então a Avó ouviu a temida pergunta:
_ Vó, “PÓDE” fazer um vestido para a Malu?
A frase, formulada assim, com a silepse do pronome, passa inexoravelmente de interrogativa para imperativa.
“Vó, PÓDE fazer”, significa exatamente: “Vó, você VAI fazer!”.
E num adianta espernear com argumentos do tipo: na sua casa num tem tecido, num tem linha, num tem tesoura, num tem agulha.
Nada convence a Menininha!
Se vira!
Inventa um pedaço de “não-tecido” que sobrou da fantasia do Dia da Primavera na escola, descobre um kit de primeiros socorros para roupas que o Pai trouxe do hotel, pega uns lacinhos de fita antigos (de colar com sabonete na careca da Neném).
Inventa, que não tem saída!
E o vestidinho se faz!
_ Mas Vó, “PÓDE” fazer uma capa também?
Ai, ai, ai meu pai! Capa de que jeito, com que pano?
Asas à imaginação e desmancha-se o saquinho de seda transparente, porta sachê de sabonetinho. 
E ...txârânnnn!!!
Ficou linda a Maluzinha vestida de azul turquesa, capinha esvoaçante, lacinhos rosa e lilás.
Modelito confeccionado, “ateliê” organizado, roupinha na mala, seguiu-se a viagem!
“Vamoscomdeusenossasenhoracapetinhatrástocandoviola!”
Chegando à festa, Maluzinha vestida de “Elza”, abafa na sua primeira aparição no “ráiguisoçáite”.
Lá pelas tantas, a Menininha, exausta, dormiu, e a boneca ficou esquecida sobre uma mesa.
A festa “bombou” até as quatro da matina, quando os últimos convidados voltaram para o hotel.
De manhã, a Avó recebe o telefonema angustiado:
_ Mãe, você trouxe a Maluzinha da festa ontem?
_ Não, por que?
_ Porque eu acho que ela sumiu!
E começou o rebu. 
Uótizápis comendo solto no grupo da Família.
“Alguém viu a boneca?”
“Uma bonequinha de vestido azul?”
“Táva em cima de uma mesa!”
“Vi, não.”
“Nem eu!”
“Nem eu também!”
“Quem saiu por último?”
“Acho que foi a Tianem.”
“Calma, vamos voltar ao clube, quem sabe o pessoal da limpeza achou e guardou.”
Voltou-se ao clube e nécas de pitibiribas!
Drama instalado, tensão no ar até que a Menininha pergunta: 
_ Pai, cadê a Maluzinha?
O Pai engole seco e responde evasivo:
_ Deve estar na sacola dentro do porta-malas.
E o carro segue rumo à casa dos aniversariantes para as despedidas e agradecimentos pela festa maravilhosa.
Então.... Aleluia!!! 
Tianem, última a sair da festança, que ainda num havia ligado o zápi aquela manhã, achou a boneca abandonada e guardou junto com os presentes.
Alívio geral, alegria, despedidas, beijocas, lágrimas de emoção.
Todos entram no carro para a viagem de volta.
A avó ajeita o cinto de segurança da Menininha, coloca a boneca em seus braços e diz:
_ Querida, “PÓDE” grudar os olhos na Maluzinha até chegarmos em casa?

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Eliane Gouveia


 02

ERRO DE PORTUGUÊS

A dona do salão comtemplava orgulhosa o letreiro pintado na fachada:
“FULANA´S Cabeleireiros”.
O pintor já ia descendo da escada com a lata de tinta e o pincel, quando o homem passou, olhou, leu e falou:
_ O nome do seu salão está escrito errado!
A moça olhou desconfiada para o transeunte e indagou:
_ O que foi que o senhor disse?
_ Eu disse que há um erro de Português aí!
_ Como assim, num tem erro nenhum aqui!
Implicante e metido a “professor do mundo”, o homem reafirmou:
_ Tem sim, tem um erro aí!
O pintor, no alto da escada, prevendo a demora do bate-boca, sentou-se no último degrau, pendurou o cabo do pincel entre o indicador e o polegar, muniu-se de paciência e ficou a brincar de pêndulo.
A dona do salão, irritadíssima, retrucou:
_ Se o senhor acha que tem um erro aqui, então prova!
_ Eu num tenho que provar nada! Só sei que tem um erro, e pronto e acabou!
Já meio insegura com a segurança do outro, a moça ponderou:
_ Como vou saber se o que o senhor tá falando é verdade?
Ele teve uma ideiabrilhante:
_ Pegue um catálogo telefônico e olhe como estão escritos os nomes dos outros salões.
A moça foi até a padaria da esquina e pediu um catálogo emprestado.
Entregou-o ao homem que abriu direto na letra “C” e apontou triunfante:
_ Aqui, ó: LAUD´SCabeleireiros, BELCabeleireiros, GENICabeleireiros, JURA Cabeleireiros, DORA Cabeleireiros, tá vendo?
Muito sem gracinha a cabeleireira concordou com o erro e perguntou:
_ Mas e agora, o que é que eu faço?
O homem, orgulhoso do seu triunfo, replicou:
_ Sei lá, se vira! O que eu sei é que tava errado!
E foi-se embora todo exibido, deixando atrás de si a moça encafifada e o pintor empoleirado na escada!
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Eliane Gouveia




 03
ALEITAMENTO MATERNO

Alicinha, entusiasmada com a chegada da Cadelinha, foi fazer compras no “Pétixópis”.
Estava avaliando os artigos quando a vendedora se aproximou e:
_ A senhora está precisando de ajuda?
Alicinha “adorava” aquelas abordagens “Mêibi a Rélpi?”, mas se conteve e respondeu evasiva:
_ Obrigada, estou só olhando uma vasilha de ração para uma filhote.
_ Ah, que gracinha, de que raça ela é?
_ É uma “Fox-Latinha”.
_ E que ração ela está comendo?
_ Por enquanto eu estou dando só leite pra ela.
_ Nossa!!! Mas a senhora num pode dar leite Humano pra cachorro!
Alicinha largou a vasilha na prateleira e olhou espantada para a moça.
_Uai, mas eu numtô dando leite Humano, eu estou dando leite de Vaca!
_ Pois intão, isto que eu falei: leite que os humanos bebem!
_ Ah, bom! Sendo assim, então...
Alicinha suspirou aliviada!
Por um momento temeu que a boçal houvesse pensado que ela própria, Alicinha,estivesse amamentando a cachorrinha!
Agradeceu, saiu, e foi fazer suas compras noutra loja,onde se vendesse artigos para cães, digamos, maisCaninos!
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Eliane Gouveia

04
LEMBRANÇAS...

Querida comadre, hoje passei em frente à sua antiga casa e a vi caída ao chão.
E senti vontade de chorar.
Por alguns segundos um filme se revelou em minha memória.
Vi a entradinha lateral, o portãozinho de madeira por onde eu sempre passava, o corredor comprido que ia até a porta da cozinha.
A casinha de despejo, trançada de teias de aranha, com as estantes cheias de livros antigos, a Coleção do Tarzan, o Egípcio...
O terreno no fundo com os galos de briga atrás das telas do galinheiro.
A figura sisuda de seu pai, a timidez do Paulinho, o olhar maroto do garoto Horácio, as bochechas rosadas do pequeno Vinícius, a beleza delicada da doce Valéria, os olhinhos azuis da vovó Djanira, a “fofura” da simpática Verônica.
E a imagem dela, a Mãe Terezinha, aparando as arestas, enrolando pães de queijo para o lanche, dois de cada vez, numa habilidade imprescindível a quem desempenhava múltiplas funções de esposa, mãe, mestra, mulher e amiga amorosa.
Voltei da viagem saudosa, olhei as ruínas e pensei:
“Quem bom que eu pude partilhar destes momentos felizes!”.
E então eu chorei.
Mas não foi de tristeza, não.
Chorei foi de gratidão!
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Eliane Gouveia.

05
AMOR DE RUA


Às cinco horas da manhã ela acorda com os gritos.
Aguça o ouvido.
O som se repete.
São mais gemidos do que gritos, seguidos de uma tosse meio cortada.
Chama o filho.
_ O que será isto?
O moço se levanta, vai até a porta.
_ Não é nada não, mãe, é só um bêbado.
E torna a dormir.
A mãe já não dorme mais.
O som intermitente, doído, a tosse, tudo a impressiona.
Olha pela janela vê o vulto caído na calçada do outro lado da rua.
Ainda está escuro.
Angustiada a mulher continua espiando em vigília.
Amanhece.
E lá está o corpo frágil postado de bruços.
As mãos sob o abdômen, as pernas finas cruzadas uma sobre a outra.
A camisa suja, toda molhada do lado de baixo.
_ Urina, vômito?!
A cena a aflige.
_ Coitadinho!
Ela vai à cozinha, côa o café, volta à janela.
_ Será que tem mãe?
Olha de novo.
_ Coitadinho!
Será que está morto?
_ Coitadinho!
_ Podia ser meu filho!
_ Coitadinho!
Se tivesse coragem ela iria até lá e o traria para dentro de casa.
A todo o momento as palavras do Mestre ecoando em seus ouvidos:
“Amai o próximo como a ti mesmo”.
Ela ama, mas sente-se impotente, fraca, covarde.
Alguém diz:
_ Tem que chamar a Polícia para retirar o bêbado de lá.
Ela sente certo alívio.
Boa idéia!
A Polícia também é o próximo amoroso e está mais acostumada a ver estas coisas.
“Estas coisas”: a Vida caída ao chão, junto com os sonhos, a saúde, a dignidade, a esperança de um futuro, de um Amor.
A mulher conheceu um homem que abrigou um bêbado em seu alpendre por muitos anos.
Segundo a história, o bêbado era um sujeito bom e trabalhador, mas quando “invernava” na pinga virava um “chato de galocha”.
O dito homem o acolhia em sua porta todas as noites de bebedeira, dava-lhe de comer, aplicava-lhe remédios, dava-lhe uma coberta para proteger-se da madrugada fria.
Este homem amava o próximo sem covardia.
Ela não!
Ela até ama o próximo.
Mas apesar de querer muito, não consegue pôr em prática este Amor.
Ainda que não fosse um “Amor de dentro de casa”, que pudesse ser pelo menos um “Amor de alpendre”.
Não é.
Seu Amor é Amor de sarjeta, Amor de rua!
Coitadinha!!!

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Eliane Gouveia

06
NUANCES

A mulher foi à papelaria procurar uma caixa de lápis de cor de qualidade melhor do que “aquela” que todo mundo tem e que é meio ruim.
Encontrou uma prateleira lotada com “a de sempre” e perguntou se a loja não vendia outra marca.
A vendedora disse que sim, conduziu-a a uma outra gôndola e mostrou uma caixa de lápis de cor, importada.
Os lápis eram um pouco mais grossos e um pouco mais caros do que os da marca nacional.
A mulher então quis saber o que os lápis importados tinham de diferente dos nacionais.
A vendedora, munida de toda ênfase, explicou:
- A diferença é que estes são mais grossos, de outra marca e mais caros!"
Estupefata e perplexa, a mulher comentou:
- Ah, tá... Entendi! Sendo assim então...”
E saiu da loja para procurar em outro endereço uma caixa de lápis de cor com “diferenças” mais específicas.

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Eliane Franco Guimarães Gouveia​


07
ELIXIR DA MELHOR IDADE

(“Está naquela idade inquieta e duvidosa, que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa, um pouco de menina e um pouco de mulher...” -Machado de Assis – do poema Menina Moça.)
                           
A mulher entrou naquela idade duvidosa “desfalecido-botão-despetalada-rosa”, e, ao começar a sentir os mal-estaresinerentes à nova faixa etária, foi pedir ajuda à amiga Farmacêutica.
_ Quero que você me prepare um Elixir da Juventude, da Saúde, e da Felicidade.
Lápis e papel na mão, a doutorase preparou para anotar o corolário.
_ Conte-me tudo o que você está sentindo.
_ Uai, eu estou sentindo diversas coisas.
Eu durmo, mas meu sono não é reparador;
Quando alguém liga um sonzão estridente, sinto vontade de pegar um porrete e dar na cabeça do cidadão;
Minha paciência com gente besta, está “a zero”;
Antes eu não me intimidava com desafios.
Hoje tenho medo de tudo.
Às vezes sinto receio até de atravessar a rua;
E, finalmente, ando num desânimo enorme para o trabalho!
Eu que “desmontava” uma casa grande todinha em faxina,hoje em dia, só de pensar em arrumar minha cama já me dá uma canseira danada!
E então, querida, existe remédio para mim?
A amiga releu as anotações, pensou um pouco, olhou para ela com aqueles seus olhinhos maliciosos e respondeu:
_ Bom, vamos por partes:as noite mal dormidas, a irritabilidade, a falta de paciência, sintomas clássicos desta fase da Vida, são facilmente extinguíveis com Florais de Bach.
Os receios, medos e inseguranças são tratáveis com injeções de Fé.
Agora, já o desânimo para o trabalho num tem nenhum remédio em toda Medicina!
_ Uai, num tem remédio, por que?
_ Porque é preguiça mêsss!!!

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Eliane Gouveia


                                     
 
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