terça-feira, 25 de julho de 2017

CRÔNICAS DO CIBERPAJÉ EDGAR FRANCO

















Como Tornar-se um Artista Genuíno?

Essa semana fui agraciado com a notícia de que dois pesquisadores PhDs de duas das mais importantes universidades do mundo, Cambridge e Bristol, da Inglaterra, lançaram um livro com um capítulo inteiro dedicado à análise de minhas obras artísticas, destacando sua singularidade e importância no contexto latino-americano. O livro chama-se "Posthumanism and the Graphic Novel in Latin America" e uma versão em e-book pode ser baixada gratuitamente no site da “UCL Press - University College London Press”.  Em minha vida de artista e em meus quase 20 anos como professor de artes, sempre em entrevistas e também dentre os questionamentos dos alunos surge essa pergunta: - Como tornar-se um artista genuíno? A ela respondo primeiramente esclarecendo o fato de que arte não deve jamais ser confundida com “entretenimento”. Parafraseando o artista inglês Alan Moore: “o entertainer dá o que as pessoas querem; o artista, o que elas precisam”.

Mas se você quer tornar-se um artista, posso dar-lhe algumas dicas a partir de minha experiência. Primeiramente, e o mais importante de tudo, no contexto do mundo hiperinformacional em que vivemos, é você se auto conhecer. Investigar no interior de si mesmo aquilo de que você realmente gosta. E não importa o que você gosta, qual gênero, estilo ou escola de arte! Seja sincero consigo mesmo, eleja verdadeiramente aquilo que te apaixona como forma de expressão e mergulhe profundamente nesse universo criativo. Lembre-se que um bom artista nasce da assiduidade do ato criativo, portanto crie muito, da quantidade surge a qualidade. Não tenha medo de errar na hora de criar, erre, erre muito, pois é dos erros que vão aparecer os acertos! Eu vejo sempre jovens criadores querendo começar a primeira obra e acertar, já criar uma obra prima, e ter sucesso e fama com ela. Isso não vai acontecer, não espere resultados, crie pelo prazer e pulsão de criar. Outra dica importante, não fique bitolado só no universo da arte que você quer desenvolver, porque você vai tornar-se um reprodutor daquilo que já foi feito por outros. Todo artista tem que experienciar continuamente todas as formas de expressão: vá ao teatro, vá muito ao cinema, e não só ao cinema mainstream comercial, encare o cinema de artista, autoral, aquele que você está achando meio chato, encare, pois ali você aprenderá sutilezas sobre a linguagem narrativa. Não leia só o mangá que você gosta, mesmo que você vá fazer mangá, leia todas as formas de quadrinhos que existem, e leia livros, busque os grandes clássicos da literatura mundial e nacional e leia-os. Envolva-se em todas as formas de arte, e também procure experimentar criar em outros suportes e para outras formas de expressão. Se quer criar algo seu, para ser genuíno é necessário cultivar uma visão ampla de cultura, assim você vai criando novas conexões neuronais, e evitará produzir obras derivativas. Eis os pontos fundamentais: criar muito e disciplinadamente, tornar o ato criativo algo de seu cotidiano; ter a cabeça aberta para experimentar todas as artes como fruidor e criador; estudar bastante; e finalmente, não ouvir as críticas, a não ser de quem te ama de verdade. Importante destacar que essas são dicas para forjar um artista genuíno, e não um trabalhador submetido ao mercado ou coisas do gênero.


Edgar Franco é Ciberpajé, artista transmídia, pós-doutor em artes pela UnB, doutor em artes pela USP, mestre em multimeios pela Unicamp e professor do Programa de Doutorado em Arte e Cultura Visual da UFG. Acadêmico da ALAMI, possui obras premiadas nacionalmente nas áreas de arte e tecnologia e histórias em quadrinhos. ciberpaje@gmail.com

Crônicas de Jair Humberto Rosa







Fé, Esperança e Caridade



Jair Humberto Rosa - ALAMI

As três eram irmãs:Maria da Fé, Maria Esperança e Maria Caridade. As más línguas diziam que quem mais fazia caridade era a Fé: costumava dar muito de si para gente da cidade e, para não parecer preconceito ou pouco-caso, também para alguns da roça. E sem qualquer interesse pecuniário. Entretanto era de pouca fé, não acreditava muito que alguma coisa pudesse melhorar algum dia em sua vida.
Caridade, porém, não era de fazer caridadese, se alguma coisa concedia, era a troco de alguma compensação monetária. Dizia, entre humor e sarcasmo:
- “Quem trabalha de graça é relógio”.
Coerente e assertiva era a moça.
          Esperança, ainda que tivesse esperança de que algum dia as coisas melhorassem, não tinha uma vida nada confortávele, ao casar-se com um moço da roça,em nada melhorou seu padrão de vida. Pelo contrário, o trabalho, que já não era pouco na casa da família, teve expressivo aumento ao assumir sua condição de dona-de-casa.
          Cuidar de um lar não é incumbência nada fácil. Cozinhar, lavar e passar roupas, limpar e arrumar a casa, cuidar de filhos e ainda ter de educar os pirralhos, deixa qualquer mulher exausta em pouco tempo. Muitas, entretanto, como Esperança, aguentam firmes a missão que lhes foi dada por Deus, e fazem tudo sem reclamar. Comportam-se de forma conformada, resignadamente.
          Esperança, por seu turno, vivia dando demonstrações de alegriae era dada a contar piadas, embora com finais trágicos, quase sempre.
Como cada uma seguiu seu caminho, morando em lugares diferentes, pouco se viam na idade adulta.
Caridade acabou por encontrar um pretendente abastado, foram morar juntos, constituíram uma família, viveram maritalmente até que o pobre homem, não muito jovem e já sem boa saúde, acabou por partirpara um mundo melhor.
Caridade ainda usufruiu de uma vida confortável por muitos anos.
Fé, cansada de tanto ajudar as pessoas,sem reconhecimento nem gratidão, tornou-se uma mulher triste, mesquinha, ensimesmada reclusa em sua casa lúgubre. Um dia desapareceu, ninguém soube para onde fora, e parece não ter feito falta a ninguém.
Esperança, por sua vez, não suportou por muito tempo a vida triste que levava, sem sentir nenhum prazer em vivere, mesmo sentindo-se covarde em abandonar os filhos, arrumou a mala e na calada da noite foi para a estrada pegar uma carona rumo à cidade grande.
Contrariando o dito popular, soube-se depois de alguns anos, Esperança foi a primeira das irmãs a deixar este mundo.

* Jair Humberto Rosa é autor, entre outros, de  "O sujeito", contos, J. Scortecci, São Paulo, 2005;


Crônicas de Jair Humberto Rosa


  







Penas

            Jair Humberto Rosa - ALAMI
Nestes tempos escuros e de finais imprevisíveis para os diversos agentes envolvidos, o que não está faltando é gente em polvorosa, com ataques de ansiedade e insônia, além de síndrome do medo. Especialmente medo de receber a visita indesejada do tal japonês. Ressalte-se que não temos nada contra os japoneses, muito pelo contrário, temos por eles respeito e admiração, mas tem um especificamente que está espalhando medo e apreensão que beira o desespero, razão de sua rejeição por parte de importantes figuras nacionais.
Muitos são os encrencados, e torcemos para que a lei e a justiça atinjam todos, embora não sejamos tão ingênuos a ponto de acreditarmos que isso ocorrerá. Mas pelo menos que os surubins sejam alcançados e fisgados, posto que bagres, traíras e, em maior quantidade lambaris, sejam difíceis de serem atingidos, devido à enorme quantidade de indivíduos nos cardumes. E tem cardumes em diversos segmentos, além do mais.
Sendo assim, resta-nos a resignação deconformarmo-nos com o aprisionamento desses espécimes mais avantajados.
Um desses escolhidos, por sua origem humilde, falta de escolaridade e sofrimento que teve na infância, penando por falta de condições mínimas de vida, poderia ser agraciado com um recolhimento em espaço limitado (pode ser chamado de cadeia) por um período de cento e vinte anos. Como em nosso país há uma grande compaixão com os malfeitores, ele ficaria um sexto desse tempo, ou mais precisamente vinte anos, saindo do retiro com pouco mais de noventa. Tendo uma vida saudável, sem cigarros nem charutos, e não sendo consumidor de rabo-de-galo nem uísque escocês nem paraguaio, ainda poderia voltar à vida política.  
Outra, mais jovem embora não tão jovem, tendo nível escolar superior, mas sem experiência nem competência nenhuma para o cargo em que foi colocada, poderia ficar bem justiçada com cento e cinquenta anos de pote; e da mesma forma cumprindo somente um sexto desse tempo, voltaria a ver a luz do sol com pouco mais de noventa, e ainda teria vitalidade para retomar a vida pública, onde poderia voltar a enganar muita gente e promover muito desarranjo social. Bastaria contratar um bom marqueteiro, já que por si mesma não consegue se expressar de forma convincente.
 Outro cuja punição certamente agradaria a maioria das pessoas de bem, experiente na política, nascido em berço de ouro e bem escolado, precisaria de um tempo maior de reclusão, até mesmo por ser mais jovem. Cento e oitenta anos, que significaria permanecer fora de combate por, pelo menos, trinta anos, parece razoável. Sairia ainda vigoroso, caso não se transformasse em pó.
Por último, levando em conta a imensa experiência, a perspicácia, a altíssima escolaridade e a capacidade de arregimentar seguidores, o outro que podemos destacar mereceria uns duzentos anos de pena, considerando até mesmo que muito sugou o sangue do nosso povo. Esse tempo de reclusão na realidade proporcionarianada mais do que trinta e três anos de isolamento social.

Sendo o menos jovem de todos, voltaria à liberdade com pouco mais de cem anos. Idade pouca para um vampiro. 


* Jair Humberto Rosa é autor, entre outros, de  "O sujeito", contos, J. Scortecci, São Paulo, 2005;


segunda-feira, 24 de julho de 2017

As crônicas de Whisner Fraga



“Tenho sentido um prazer imenso em escutar os velhos discos.”

Whisner Fraga - ALAMI
Exumei alguns elepês e encaixei na vitrola, depois de décadas. Não é força de expressão, foram décadas mesmo. Interessante isso, de manusear o vinil, de ver o trabalho de arte em uma capa enorme, de ler os créditos da produção, de ler as letras das músicas. Havia ocorrido de me desinteressar razoavelmente por música. Ouvir uma faixa no celular ou no computador nunca me atraiu o suficiente. Mesmo em CD a coisa não andava bem. Não estou falando nem em qualidade sonora, porque não tenho o ouvido apurado o bastante para discutir esse assunto. É o fetiche mesmo, o objeto. Tenho sentido um prazer imenso em escutar os velhos discos. Parece que a música deixou de ser apenas pano de fundo para se tornar novamente protagonista aqui em casa.
Sem falar nas feiras. Porque no Brasil ainda é complicado achar discos novos, então temos de recorrer aos sebos, aos usados. O verbo “garimpar” nunca fez tanto sentido. Parece que nos anos 1970, 1980 só produziram música ruim. Isto é, ruim para o meu gosto. Ray Connif e Perla são figurinhas carimbadas nas lojas de segunda mão, mas não me interessam.
O que há de rock progressivo? Gótico? Muito pouco, o que significa que o que encontramos é caro. Se há três décadas esses long-plays eram raros, imaginem hoje! O que você tem aí de folk? Pouco, pouco. Industrial? Quase nada. Um ou dois elepês. Começou a parecer um hobby caro. Por que não aproveitar o spotify, muito mais em conta?
Então resolvi dar uma passeada pelos sebos de livros, que resolveram investir também nos vinis. Mas ainda está tudo incipiente. Não há muita organização, o que dificulta a procura, mas também a torna mais emocionante. Encontrar um tesouro no meio de tanto lixo é sempre desafiador. Horas e horas de garimpagem e… Nada.
Parece mais fácil correr atrás de livros raros. Clarice Lispector autografado. Guimarães Rosa assinado. Primeira edição de João Antônio. Pode ser que meus olhos estejam mais adestrados para a literatura. Ainda me considero iniciante na música. Acho que sempre serei.
O processo todo me parece mais emocionante. Você pensa em um álbum e vai atrás: grupos em redes sociais, sites especializados, lojas virtuais, sebos físicos e tenta encontrá-lo. Em casa, o disco deixa de ser tentativa e erro, ele se torna certeza. Ouço com mais paciência, faixa a faixa. Dou uma segunda, terceira chance. Entendo que o trabalho já não é tão descartável quanto no computador ou no celular. Não basta ouvir quinze segundos de uma música e julgar o disco, o artista.
A experiência musical agora é quase física.

domingo, 23 de julho de 2017

Crônicas de Dr. Juarez Moraes de Avelar




Minha primeira visão do mundo

                              Juarez M Avelar - ALAMI
- Membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores –


Quando nasci, a humanidade já sofria há três anos as terríveis atrocidades da II Guerra Mundial, período dos mais sangrentos de sua história. Naquela época, os meios de comunicação eram rudimentares, precários e lentos. Com efeito, as informações de que se dispunha nunca refletiam a situação do momento. Contudo, a notícia do fim da Guerra, em agosto de 1945, com a assinatura da rendição japonesa aos americanos, foi recebida por todos com alívio. Portanto, três anos após minha chegada ao mundo, o anúncio do fim das hostilidades bélicas repercutiu rapidamente em todos os cantos do país.
Quando me esforço para acessar informações sobre minha vida precoce, deparo-me com alguns episódios marcantes. A II Guerra Mundial é um deles, graças aos relatos de meus pais e familiares. No entanto, o primeiro registro armazenado na memória é a maravilhosa imagem de minha mãe grávida, com o meu irmão caçula, Jozimar, em seu volumoso ventre. Em minha visão ela parecia mais “gorda” que as demais pessoas. Contudo, certo dia ela entrou em casa com um bebê nos braços que foi nossa alegria de todos.
Ainda cedo foi embalada por sonhos de futuro. Cada um de nós sempre demonstrou desejo de estudar e concluir cursos universitários. Para meus pais, tais desejos ensejavam elucidativas conversas sobre atividades como Engenharia, Medicina, Direito, Pedagogia, Economia, Veterinária e Agronomia, que eram as profissões disponíveis aos jovens interessados na universidade. Essas profissões eram temas de debate, e nós, crianças, anunciávamos que escolheríamos esta ou aquela faculdade. No meu caso, ainda precocemente, cada vez mais se acentuava o desejo de tornar-me médico.
Enquanto meus irmãos mais velhos freqüentavam o grupo escolar, eu, em razão da pouca idade, ficava em casa em companhia de mamãe, no desempenho das obrigações domésticas. Assim, desde minha infância já me identifiquei com o trabalho razão pela qual sempre envidei esforços para realizar as tarefas com dedicação e empenho. Essa convivência com mamãe despertou em mim a curiosidade pela fita métrica, instrumento valioso para o trabalho exercido por meus pais. Inicialmente aprendi a ler os números da fita; em seguida, memorizei sua seqüência, e depois aprendi a dobrá-la para obter a soma de suas metades e entender o significado da multiplicação. O mesmo ocorreu com as operações de divisão e subtração. Minha curiosidade e o desejo de ajudar mamãe levaram-me a tentar algumas anotações, sendo alfabetizado por ela. Que alegria rememorar aqueles momentos de aprendizado, de descobertas tão importantes em minha vida!
Meu vínculo formal com a escola começou aos oito anos de idade e, graças às aulas de minha mãe, pude ingressar no segundo ano do curso primário (hoje chamado Ensino Fundamental). Durante os estudos um turbilhão de sentimentos, ao constatar que freqüentar a escola me levaria, um dia, a cursar uma Faculdade de Medicina. Como foi bom ser embalado por sonhos! O caloroso ambiente familiar era orquestrado por meus pais, que não mediam esforços para alimentar nossos sonhos infantis. Eles nos fizeram entender que para alcançar nossos projetos de vida era necessária dedicação aos estudos. No meu caso em especial, percebi que estudar com afinco era etapa indispensável para realizar o sonho de ser médico. Felizmente, após mais de seis décadas, posso constatar que meus objetivos foram alcançados. Melhor ainda é vivenciar a concretização de sonhos transformados em realidade pelo meu trabalho, para levar uma mensagem de fé a meus semelhantes que necessitam de meus conhecimentos, habilidade manual e arte para realizar a transformação física e psicológica de que necessitam.




Crônicas de Eliane Gouveia
















Dedicado à minha amiga Vera Vilela de Carvalho.

LEMBRANÇAS...
Eliane Gouveia - ALAMI

Querida comadre, hoje passei em frente à sua antiga casa e a vi caída ao chão.

E senti vontade de chorar.


Por alguns segundos um filme se revelou em minha memória.
Vi a entradinha lateral, o portãozinho de madeira por onde eu sempre passava, o corredor comprido que ia até a porta da cozinha.
A casinha de despejo trançada de teias de aranha, com as estantes cheias de livros antigos, a Coleção do Tarzan, o Egípcio...
O terreno no fundo com os galos de briga atrás das telas dos galinheiros.

A figura sisuda de seu pai, a timidez do Paulinho, o olhar maroto do garoto Horácio, as bochechas rosadas do pequeno Vinícius, a beleza delicada da doce Valéria, os olhinhos azuis da vovó Djanira, a “fofura” da simpática Verônica.

E a imagem dela, a mãe Terezinha, aparando as arestas, enrolando pães de queijo para o lanche, dois de cada vez, numa habilidade imprescindível a quem desempenhava múltiplas funções de esposa, mãe, mestra, mulher e amiga amorosa.

Voltei da “viagem” saudosa, olhei as ruínas e pensei:
“Que bom que eu pude partilhar destes momentos felizes!”.
E então eu chorei.
Mas não foi de tristeza, não.
Chorei foi de gratidão!
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