UM HÁBITO QUASE ESQUECIDO
Saavedra Fontes
Hoje em dia não se curte mais um
bate-papo como aqueles de antigamente, cheio de informações novas para o nosso
acervo de curiosidades, cultuando a palavra e as emoções como um ritual diário.
Os velhos, por mais prosaicos, não têm tempo e os moços estão noutra. Mas,
convenhamos que é preciso aceitar que os tempos mudaram, que a mídia é
globalizada e os veículos de comunicação nos dão tudo o que precisamos.
Entretanto, o que recebemos vem
rotulado, condicionado, trabalhado dentro de um padrão que se convencionou
chamarmos de “moderno”, como se o adjetivo determinasse a rota a ser seguida. Está
faltando o autêntico na forma de pensar e de dizer as mesmas velhas coisas.
Rádio, televisão, teatro e cinema oferecem os fatos e o atualizam de acordo com
raciocínios que levam ao lucro comercial e à formação rápida de opinião. Se
abordam temas antigos os tratam como supérfluos e resíduos de uma aculturação
necessária. E perdemos o encanto genuíno que cada indivíduo representa no seu
habitat, no seu meio social e cultural, produto de sua vivência e educação
tradicionais em função do tempo.
Pois mesmo dentro de uma única
série de arquétipos, cada ser é uma unidade à parte, com caráter e
personalidades próprias, com sua vivência única e experiências típicas, capazes
de oferecer uma prosa original e um espírito diferente. São mananciais de graça
e poesia o que ainda se vê no matuto interiorano quando proseia. Riqueza de um
Brasil folclórico!
Segundo cálculos, o brasileiro
médio das cidades fala muito sobre futebol e pela ordem negócios, política e
mulher. E a ordem pode ser invertida se uma boa cerveja, bem gelada, conduzir a
conversa. Mesmo assuntos sérios são tratados apressadamente,
desinteressadamente, jogados no ar por exibicionismo pedante e só por isso.
Coisas do espírito a maioria finge escutar e nega-se a responder.
Foi por isso que ouvi com
surpresa, um dia desses, um desconhecido me pedir “um dedo de prosa”. Parei,
ouvi e pela qualidade da prosa dei-lhe a mão inteira...
À PROCURA DA VERDADE
Saavedra Fontes
Três velhos amigos conversavam
sentados à sombra de uma árvore no banco da praça de sua cidade. Professavam
religiões diferentes e discutiam certa passagem do Evangelho. Tentavam, cada um
à sua maneira, interpretar a frase de Cristo: “A casa de meu Pai tem inúmeras moradas”. De início tiveram que se
entenderem quanto à forma literal em que se expressavam, cientes de que Jesus
falava por metáforas. Eram homens simples, mas compreenderam logo que o texto
gerava muitos comentários.
O primeiro argumentou que as
inúmeras moradas do Senhor seriam os corações envolvidos na fé cristã. O
segundo explicou que seriam as diversas igrejas espalhadas pelo mundo, de
raízes também cristãs. E o terceiro tentava colocar a parábola em termos
transcendentes, significando a vida em outras dimensões. Como sempre acontece
com discussões desse porte, acabaram não chegando a lugar nenhum, pois ninguém
convencia ninguém. Foi quando o mais perspicaz dos três notou, que apesar das
diferenças de credo, reverenciavam o mesmo Deus.
O Papa João Paulo II em seu livro
“Cruzando O Limiar Da Esperança”, responde à pergunta do jornalista italiano.
Vittorio Messori, que lhe indagou:
- Mas
se Deus, que está no céu, e salvou e continua a salvar o mundo, é apenas um e
se revelou em Jesus Cristo, por que permitiu a existência de tantas religiões?
Por que tornou a busca da verdade tão árdua em meio a uma floresta de rituais,
crenças, revelações de doutrinas que sempre prosperaram e continuam a prosperar
no mundo inteiro?
E João Paulo II resumiu todo o
capítulo-resposta numa síntese: “-
Só existe uma comunidade e ela consiste de todos os povos.” E mais
adiante proclama em nome de sua Igreja “que Cristo é o caminho, a verdade e a
vida”, citando João, Capítulo XIV. Versículo VI.”
Quem somos nós, frágeis
criaturas, simples mortais, para alterar os desígnios de Deus e impor nossa
vontade nos outros, naqueles que já se decidiram nos tortuosos caminhos da fé?
Por que cedermos à tentação de tão mesquinhas divergências, quando tantos
atalhos nos levam na mesma direção. Por que nos julgarmos donos da verdade
suprema se ela é uma só e se identifica na fé
autêntica daqueles enaltecem as palavras sagradas do Cristo? Precisamos
estar cientes de que as interpretações do Evangelho em cada culto, não
modificam sua realidade explícita nem contamina a moral cristã. O importante ao
trilhar o caminho da fé é o aperfeiçoamento espiritual, e não utilizar o nome de
Jesus como instrumento particular de ambições materiais.
Conheço um amigo que trouxe da
infância lembranças adoráveis de integração religiosa. Não obstante seu pai ser
protestante, sua mãe era católica fervorosa. O que não os impediram de se
relacionarem com Dona Eulália, presbiteriana convicta; Dona Olga, vizinha mais
próxima, pentecostal; Dona Lígia, da Assembleia de Deus; e a bondosa e querida
Balbina, cozinheira de muitos anos, espírita praticante. Vi muitas e muitas
vezes essa gente toda diante de um quadro com a figura Jesus, orando em
silêncio. Até mesmo aqueles que julgavam idolatria venerar a imagem de santos
na gravura, postavam-se em êxtase diante do olhar indagador do Cristo. Por
certo, intimamente, imaginavam-se filhos diante do retrato de um pai distante.
PALAVRAS
Saavedra Fontes
É observando o céu que
reorganizo-me interiormente. Se é noite perco-me no silêncio das horas
avançadas, encantado com as estrelas. Se é dia e o sol domina o espaço sideral,
envolvo-me com a frivolidade das nuvens brincando de esculpir fantasias.
Seduz-me o azul sem fronteiras, atrai-me a ideia de infinito, busco palavras
que possam explicar o mistério da criação do mundo. Mas não as tenho, porque
não são minhas e não as vejo, porque não são próximas; não as encontro, porque
não estão em mim... Talvez nem existam, porque a rigor o mundo não foi feito
para dar explicações através das palavras, falso recurso criado pelo Homem.
Então me pergunto, por que palavras?
Não me bastam a consciência e a
certeza da intuição, que nasceu comigo e vibra no meu gene como herança de
vidas anteriores. Não me bastam e não satisfazem-me como obra de raciocínio
lógico e produto da fé. Atento-me para o fato de que as borboletas não falam,
do casulo ao efêmero bailado de alguns dias são sugestões de glória de um
Artista Sublime. Não extraímos dos pássaros canoros uma só sílaba, entretanto
de magistrais gorjeios conseguimos belíssimos concertos, insinuações musicais
da Divina presença.
No imenso mural da Natureza, no
verde da folhagem e no colorido das flores ou pela solidez das rochas, passa o
vento em ruidosa epifania demonstrando, sem palavras, que é o poder dos
cataclismos e ao mesmo tempo suave frescor da Providência. Suspensa e indecisa
cai a gota do orvalho distraída, como pérola no ar e nota dissonante no
encontro das águas que a aguardam. As mesmas águas puras e cristalinas, que
cantam uníssonas no encontro com as pedras dos riachos e das corredeiras, que
não dizem mas transportam o Espírito
Divino, na beleza e harmonia de seu destino incerto.
Os animais não abrigam palavras,
mas apascentam o instinto no ciclo vital com imensa tranquilidade. Então, por
que palavras? A voz das tempestades e o sorriso da criança, o furor de um vulcão
e o desabrochar de uma rosa, mostram muito mais a face de Deus do que todo um
ritual de frases vazias. Elas poderiam ser o eco de nossos espíritos ancestrais
e trazerem o testemunho de inúmeras verdades, se não se perdessem nos meandros
das ambições que dominam todo Ser Humano.
Numa época em que as galáxias
eram desconhecidas, não se falavam em movimentos dos astros, não se preocupavam
com a possibilidade da expansão do Universo, não sonhavam medir a idade da
crosta terrestre e não conheciam os meteoritos; não comentavam os sábios sobre
vida e morte das estrelas, aglomerações estelares, buracos negros. Numa era de
parcos conhecimentos científicos, chegaram à mesma síntese aqueles que tiveram
o privilégio de entender a gênese da
criação: “No princípio criou Deus o Céu e
a Terra, porém
esta
sem forma e vazia. Havia trevas sobre a face do abismo e o espírito de Deus
pairava sobre as águas. E disse Deus: - haja luz! E houve luz. (Gen. 1-1 a 3).”
De tão simples foram acessíveis
ao homem comum, que as entendeu sem procurar detalhes conflitantes ou uma
lógica racional e científica. Hoje, angustiado entre o fantasma do cogumelo
atômico e a pressa para desenvolver as viagens interplanetárias, o Homo Sapiens
inventa cada vez mais neologismos, termos técnicos que não chegam à realidade e
nem a ultrapassam. Tampouco negam, antes confirmam a origem do mundo expressa
na poesia simples e deliciosa da Gênese bíblica. E atestam a realeza
indestrutível do Evangelho...
saavedrafontes_hotmail.com
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