terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Crônicas do Saavedra




UM HÁBITO QUASE ESQUECIDO
Saavedra Fontes                                                                      

Hoje em dia não se curte mais um bate-papo como aqueles de antigamente, cheio de informações novas para o nosso acervo de curiosidades, cultuando a palavra e as emoções como um ritual diário. Os velhos, por mais prosaicos, não têm tempo e os moços estão noutra. Mas, convenhamos que é preciso aceitar que os tempos mudaram, que a mídia é globalizada e os veículos de comunicação nos dão tudo o que precisamos.
Entretanto, o que recebemos vem rotulado, condicionado, trabalhado dentro de um padrão que se convencionou chamarmos de “moderno”, como se o adjetivo determinasse a rota a ser seguida. Está faltando o autêntico na forma de pensar e de dizer as mesmas velhas coisas. Rádio, televisão, teatro e cinema oferecem os fatos e o atualizam de acordo com raciocínios que levam ao lucro comercial e à formação rápida de opinião. Se abordam temas antigos os tratam como supérfluos e resíduos de uma aculturação necessária. E perdemos o encanto genuíno que cada indivíduo representa no seu habitat, no seu meio social e cultural, produto de sua vivência e educação tradicionais em função do tempo.
Pois mesmo dentro de uma única série de arquétipos, cada ser é uma unidade à parte, com caráter e personalidades próprias, com sua vivência única e experiências típicas, capazes de oferecer uma prosa original e um espírito diferente. São mananciais de graça e poesia o que ainda se vê no matuto interiorano quando proseia. Riqueza de um Brasil folclórico!
Segundo cálculos, o brasileiro médio das cidades fala muito sobre futebol e pela ordem negócios, política e mulher. E a ordem pode ser invertida se uma boa cerveja, bem gelada, conduzir a conversa. Mesmo assuntos sérios são tratados apressadamente, desinteressadamente, jogados no ar por exibicionismo pedante e só por isso. Coisas do espírito a maioria finge escutar e nega-se a responder.
Foi por isso que ouvi com surpresa, um dia desses, um desconhecido me pedir “um dedo de prosa”. Parei, ouvi e pela qualidade da prosa dei-lhe a mão inteira...






À PROCURA DA VERDADE
Saavedra Fontes                                                                              

Três velhos amigos conversavam sentados à sombra de uma árvore no banco da praça de sua cidade. Professavam religiões diferentes e discutiam certa passagem do Evangelho. Tentavam, cada um à sua maneira, interpretar a frase de Cristo: “A casa de meu Pai tem inúmeras moradas”. De início tiveram que se entenderem quanto à forma literal em que se expressavam, cientes de que Jesus falava por metáforas. Eram homens simples, mas compreenderam logo que o texto gerava muitos comentários.
O primeiro argumentou que as inúmeras moradas do Senhor seriam os corações envolvidos na fé cristã. O segundo explicou que seriam as diversas igrejas espalhadas pelo mundo, de raízes também cristãs. E o terceiro tentava colocar a parábola em termos transcendentes, significando a vida em outras dimensões. Como sempre acontece com discussões desse porte, acabaram não chegando a lugar nenhum, pois ninguém convencia ninguém. Foi quando o mais perspicaz dos três notou, que apesar das diferenças de credo, reverenciavam o mesmo Deus.
O Papa João Paulo II em seu livro “Cruzando O Limiar Da Esperança”, responde à pergunta do jornalista italiano. Vittorio Messori, que lhe indagou:
 - Mas se Deus, que está no céu, e salvou e continua a salvar o mundo, é apenas um e se revelou em Jesus Cristo, por que permitiu a existência de tantas religiões? Por que tornou a busca da verdade tão árdua em meio a uma floresta de rituais, crenças, revelações de doutrinas que sempre prosperaram e continuam a prosperar no mundo inteiro?
E João Paulo II resumiu todo o capítulo-resposta numa síntese: “- Só existe uma comunidade e ela consiste de todos os povos.” E mais adiante proclama em nome de sua Igreja “que Cristo é o caminho, a verdade e a vida”, citando João, Capítulo XIV. Versículo VI.”
Quem somos nós, frágeis criaturas, simples mortais, para alterar os desígnios de Deus e impor nossa vontade nos outros, naqueles que já se decidiram nos tortuosos caminhos da fé? Por que cedermos à tentação de tão mesquinhas divergências, quando tantos atalhos nos levam na mesma direção. Por que nos julgarmos donos da verdade suprema se ela é uma só e se identifica na fé  autêntica daqueles enaltecem as palavras sagradas do Cristo? Precisamos estar cientes de que as interpretações do Evangelho em cada culto, não modificam sua realidade explícita nem contamina a moral cristã. O importante ao trilhar o caminho da fé é o aperfeiçoamento espiritual, e não utilizar o nome de Jesus como instrumento particular de ambições materiais.

                                                                                                                                   
Conheço um amigo que trouxe da infância lembranças adoráveis de integração religiosa. Não obstante seu pai ser protestante, sua mãe era católica fervorosa. O que não os impediram de se relacionarem com Dona Eulália, presbiteriana convicta; Dona Olga, vizinha mais próxima, pentecostal; Dona Lígia, da Assembleia de Deus; e a bondosa e querida Balbina, cozinheira de muitos anos, espírita praticante. Vi muitas e muitas vezes essa gente toda diante de um quadro com a figura Jesus, orando em silêncio. Até mesmo aqueles que julgavam idolatria venerar a imagem de santos na gravura, postavam-se em êxtase diante do olhar indagador do Cristo. Por certo, intimamente, imaginavam-se filhos diante do retrato de um pai distante.


PALAVRAS 
Saavedra Fontes                                                                                                     

É observando o céu que reorganizo-me interiormente. Se é noite perco-me no silêncio das horas avançadas, encantado com as estrelas. Se é dia e o sol domina o espaço sideral, envolvo-me com a frivolidade das nuvens brincando de esculpir fantasias. Seduz-me o azul sem fronteiras, atrai-me a ideia de infinito, busco palavras que possam explicar o mistério da criação do mundo. Mas não as tenho, porque não são minhas e não as vejo, porque não são próximas; não as encontro, porque não estão em mim... Talvez nem existam, porque a rigor o mundo não foi feito para dar explicações através das palavras, falso recurso criado pelo Homem. Então me pergunto, por que palavras?
Não me bastam a consciência e a certeza da intuição, que nasceu comigo e vibra no meu gene como herança de vidas anteriores. Não me bastam e não satisfazem-me como obra de raciocínio lógico e produto da fé. Atento-me para o fato de que as borboletas não falam, do casulo ao efêmero bailado de alguns dias são sugestões de glória de um Artista Sublime. Não extraímos dos pássaros canoros uma só sílaba, entretanto de magistrais gorjeios conseguimos belíssimos concertos, insinuações musicais da Divina presença.
No imenso mural da Natureza, no verde da folhagem e no colorido das flores ou pela solidez das rochas, passa o vento em ruidosa epifania demonstrando, sem palavras, que é o poder dos cataclismos e ao mesmo tempo suave frescor da Providência. Suspensa e indecisa cai a gota do orvalho distraída, como pérola no ar e nota dissonante no encontro das águas que a aguardam. As mesmas águas puras e cristalinas, que cantam uníssonas no encontro com as pedras dos riachos e das corredeiras, que não dizem mas transportam  o Espírito Divino, na beleza e harmonia de seu destino incerto.
Os animais não abrigam palavras, mas apascentam o instinto no ciclo vital com imensa tranquilidade. Então, por que palavras? A voz das tempestades e o sorriso da criança, o furor de um vulcão e o desabrochar de uma rosa, mostram muito mais a face de Deus do que todo um ritual de frases vazias. Elas poderiam ser o eco de nossos espíritos ancestrais e trazerem o testemunho de inúmeras verdades, se não se perdessem nos meandros das ambições que dominam todo Ser Humano.
Numa época em que as galáxias eram desconhecidas, não se falavam em movimentos dos astros, não se preocupavam com a possibilidade da expansão do Universo, não sonhavam medir a idade da crosta terrestre e não conheciam os meteoritos; não comentavam os sábios sobre vida e morte das estrelas, aglomerações estelares, buracos negros. Numa era de parcos conhecimentos científicos, chegaram à mesma síntese aqueles que tiveram o privilégio  de entender a gênese da criação: “No princípio criou Deus o Céu e a Terra, porém
                                                                                                                                    
esta sem forma e vazia. Havia trevas sobre a face do abismo e o espírito de Deus pairava sobre as águas. E disse Deus: - haja luz! E houve luz. (Gen. 1-1 a 3).”
De tão simples foram acessíveis ao homem comum, que as entendeu sem procurar detalhes conflitantes ou uma lógica racional e científica. Hoje, angustiado entre o fantasma do cogumelo atômico e a pressa para desenvolver as viagens interplanetárias, o Homo Sapiens inventa cada vez mais neologismos, termos técnicos que não chegam à realidade e nem a ultrapassam. Tampouco negam, antes confirmam a origem do mundo expressa na poesia simples e deliciosa da Gênese bíblica. E atestam a realeza indestrutível do Evangelho...


saavedrafontes_hotmail.com 

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