terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Crônicas do Marco Túlio


 
 
                        
 
Marco Túlio Faissol Tannús

resumo.da.opera@hotmail.com
 


Ética?...Ética (dado por dado)
      -parte da crônica publicada no Jornal do Pontal em 09/06/2009-

                                        De manhã bem cedo Dona Zenaide estava sentada no alpendre de sua casa, na 15 com a 18 e 20, bengala encostada na cadeira, mão direita alisando a mão esquerda abobalhada por um derrame. Chega de repente uma senhora mais simples, meio gorda, dizendo ter influência sobre 400 votos e queria dar apoio a seu genro, mas precisava falar com ele. Dona Zenaide, politiqueira havia muitos anos, mandou Sá Francelina apressar o Samir que o assunto era importante. Época de eleição concorria a prefeito, em 1962, Samir Tannús pelo PSD, Eurípides Alves de Freitas pela UDN e José Arsênio, pelo PTB. A coisa estava apertada e 400 votos eram sempre bem-vindos. Chega o Samir, cumprimenta a senhora e pergunta em que pode ajudar. A velha ataca direto: "Seu Samir, eu tenho um bar lá na vila Miisa que vive cheio de gente. Tenho 400 votos e quero apoiar o senhor, mas estou precisando de um balcão frigorífico novo. Os votos eu dou para quem me der o balcão." O candidato tentou escapulir: "Dona Maria, a senhora sabe que eu queria muito ajudar a senhora, mas minha campanha é pobre e eu não tenho condição. A senhora faz o seguinte: o Eurípides é empresário, tem dinheiro, vai lá e oferece para ele. Em todo caso, se ele não atender e a senhora quiser me dar a honra de ter seu apoio..." Nem terminou de falar e a velha retrucou certeira: "Ah, é gracinha? E você acha que dado por dado eu vou deixar de votar no Zé Arsênio?"###


Crônicas do Marco Túlio



Quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra?
Marco Túlio Faissol Tannús
resumo.da.opera@hotmail.com
 
publicado no Jornal do Pontal em 18/08/2009


 


Foi grande a minha surpresa ao abrir a Folha de São Paulo, no Domingo, e deparar com o irreparável artigo de Frei Betto sobre o Senado Romano da era de Cristo. Pouco menos de um século antes do nascimento do Homem, discursava veemente da tribuna do Senado, Marco Túlio Cícero, senador de quem sou homônimo, mesmo não compartilhando de sua capacidade verbal, nem de sua cultura. Atacava de morte outro senador, Lúcio Sérgio Catilina, que a seu ver, esgueirava-se sorrateiramente pelos corredores do poder, ignorando a ética e o bem agir a fim de obter vantagens para si e para os seus. Pouco importava com o que dele pensavam os colegas ou a população. Havia até Senadores que o defendiam. 

Cícero exortava Catilina a deixar o Senado para que fossem preservados os superiores interesses do Estado. Pisava e repisava, de maneira clara, porém firme, toda a sorte de argumentos compatíveis com o respeito e o decoro. De suas palavras restou a frase símbolo que sintetiza muito bem o que, ainda hoje, todos nós gostaríamos de dizer: “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?
Frei Betto foi exemplar ao entremear com secos comentários os trechos do discurso de Cícero, mostrando ao leitor que o que vivemos hoje não é novidade. É fácil intuir por suas palavras o Catilina contemporâneo que sequer foi mencionado. Porém, julgo importante ressaltar que aquele de outrora se traduz, nos dias de hoje, em muitos outros Catilinas que nos roubam a paciência e nos agastam com suas condutas reprováveis, despudorados e alheios à opinião de seus patrícios.
São Catilinas os funcionários públicos que nos destratam e nos ignoram. Que não comparecem no local de trabalho, mas mantêm seus vencimentos. Que não se empenham para prestar bons serviços. Que passam o tempo para que o tempo passe mais rápido.
São Catilinas os que utilizam de sua autoridade para contratar com recursos públicos funcionários que, como São Francisco, dividem seus vencimentos com aqueles que os contrataram e, algumas vezes, nem aparecem para assinar o contracheque.
São Catilinas as autoridades que agem com descaso e priorizam as campanhas publicitárias anunciando obras e realizações, umas reais, outras imaginárias, em detrimento das campanhas educativas e de esclarecimento sobre a epidemia de gripe suína que nos ataca e a todos preocupa.
São Catilinas os membros da corporação policial que utilizam informações estratégicas não para proteger o cidadão, mas para tirar proveito delas. Aqueles que descobrem o paradeiro dos traficantes internacionais para seqüestrá-los e extorquir deles grandes somas de dinheiro sujo.
São Catilinas as notícias encomendadas, fabricadas e divulgadas sem compromisso com a verdade. Aquelas cujo objetivo não é informar, mas reconstruir a realidade segundo a vontade de uns poucos, a fim de manipular a consciência da massa desavisada.
Abusam de nossa paciência e de nossa inteligência os meios de comunicação que utilizam de seu poder de convencimento para expor, em cadeia nacional, sua disputa particular pela audiência e suas diferenças íntimas, em formato que mais parece briga baixa de bordel.

Até quando, Catilinas, abusareis de nossa paciência?

São muitas as coincidências entre a Roma daquela época e os nossos dias de hoje. Tanto a pouca vergonha de uns quanto a indignação de outros. Frei Betto lembra que o fim da história reservou a Catilina a morte no exílio no ano seguinte. Cícero foi expurgado do Senado e assassinado alguns anos depois. Incitatus, o cavalo de Calígula, foi nomeado Senador e, posteriormente, Cônsul do Império Romano. 
Se a história efetivamente se repete, resta-nos adivinhar a quem caberá o papel de Incitatus.
                                                               
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Crônicas do Marco Túlio



Crônicas do Marco Túlio
Marco Túlio Faissol Tannús

resumo.da.opera@hotmail.com
 

PRESTÍGIO

Nego Wirson era um senhor bem vestido, terno branco e chapéu quebrado, que, nos anos setenta, vivia pelos bares espalhando bom humor e ironia fina. Sessenta e poucos anos, mãos lisas de quem pouco trabalhou na vida, resolveu que precisava de um emprego para tratar de sua companheira a quem chamava carinhosamente de minha crioula. Fuçou aqui e ali e descobriu um posto vago de gari na Prefeitura. Conversando com o Nute, um fiscal seu amigo, ficou sabendo que precisava de um empurrãozinho e procurou o Samir. Telefone vai, telefone vem, tudo foi sendo ajeitado. Alguns dias depois, os dois se encontram no bar da esquina: "e aí Nego Wirson, deu tudo certo?" ao que o outro retrucou: "Eh! Samir. Seu prestígio é grande. É só falar seu nome naquela Prefeitura que porta vai abrindo e o povo vai batendo continência. Levei meus documentos, tirei foto por fora e por dentro, todo mundo me atendendo, mas na hora de assinar os papel, deram para trás. Me pediram desculpas quase chorando porque não atenderam seu pedido, mas eu não podia ser lixeiro com a minha idade". Fazendo cara de consternação, Samir retrucou: "Depois de tanto trabalho! Mas não fica chateado não!" A resposta veio rápida: "Chateado? Eu não! Mas você não acha esquisito que eu, com sessenta, não posso manobrar uma vassoura de gari, e o Geisel, com quase noventa, pode manobrar o Brasil? Mas uma coisa é certa: no dia em que o Geisel sair da Presidência e quiser ser lixeiro, pode tirar o cavalo da chuva porque aqui na Prefeitura de Ituiutaba não vai ter boca prá ele não!" ###





                              






quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Olhos de clarão - Arth Silva



Olhos de clarão
- Arth Silva -


Certa vez conheci uma guria de olhos de clarão.
Olhos que me acendiam e não se apagavam; que sabiam enxergar toda a quilometragem estampada no velocímetro do meu peito.

Eram olhos que me assaltavam a atenção e não me davam trégua, disparando a melhor parte minha que dei a ela.

Até eu, que na língua do olhar sempre me achei mudo e analfabeto, passei a gostar mais dos meus olhos quando tinham o reflexo dela estampada neles.

Em instantes que ainda estão presos nos holofotes de nossas retinas, essa garota me ensinou que é na língua do olhar onde nascem os melhores beijos. Dessa forma, em debates platônicos que por vezes duravam a eternidade de alguns segundos, nós nos comíamos com os olhos e nos devorávamos em sonhos.
Trocando os pontos finais, por pontos de vista. E fazendo de cada um desses pontos uma trilha de reticências que nunca teve fim... e ainda hoje pode ser visto por trás do horizonte em nosso olhar.


A felicidade é quando sua cor preferida é a cor dos olhos de quem você gosta.

 
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