Saavedra Fontes
As ruas perdem o brilho da
ensolarada alegria do verão e abastece a cidade de um ar de formalidade mal
estabelecida. Os cumprimentos são pesados, medidos, o sorriso morre nos lábios
fechados pela síndrome da preocupação.
Falta o rumor dos passos apressados, o
ruído de saias farfalhando, o barulho dos motores convencionais e das buzinas
estridentes. Até o alarma contra roubo é falso no veículo estacionado na
esquina, como é falso o bom humor do cambista, maluco pra se livrar do “pavão
encalhado” ou de um “burro pela metade.
Os bares diurnos perdem o eco das
vozes, habitualmente multiplicadas diante de uma garrafa de cerveja ou uma
xícara de café. Um e outro frequentador assíduo se manifesta, praguejando
contra as cadeiras vazias e o palco silencioso das discussões mundanas. O olhar
é frio das pessoas que passam atarefadas, preocupadas com os problemas diários.
É pálido o rosto do homem compromissado com dívidas cujos sonhos terminam no
fim do mês... E como é louca a atitude do mendigo bêbedo, que se põe a dançar
no meio da avenida, desafiando os veículos que passam e a mórbida seleção do
destino que o fez o último dos homens.
Estranha é a manifestação de
agrado no rosto familiar que acaba de nos acenar, taciturno e sombrio como as
badaladas do sino da matriz em dobre fúnebre. Aqui, a sensação de fragilidade
do homem maduro diante das raras opções de trabalho, solidariedade e
compreensão. Ali, a inutilidade do gesto de tocar com os dedos a vitrine
colorida e os sonhos vazios da possibilidade de consumo. Além, a extensão do
remorso no pobre que perdeu a cabeça por tão pouco de forma inexplicável e
brusca. A miséria e a fome. Os desejos impossíveis da criança...
Duro é
concluir que no cômputo geral existe um “quase”, essa forma de ironia que serve
para separar as coisas. Quase um convite à revolta, quase um grito de dor,
quase o desespero e a morte não fosse a incrível capacidade de alguns de ainda
crer na vida e manter a esperança no amanhã. Mas a esperança e o otimismo
sobrevivem entre os privilegiados das classes mais elevadas.
Na hipocrisia dos
que compram o seu voto por algumas promessas não cumpridas e nos olham de cima
amparados no poder. Porque a crise só
atinge os pobres e miseráveis, que vivem e morrem esquecidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário