terça-feira, 17 de junho de 2014

Crônicas do Saavedra




QUANDO A ÉPOCA É DE CRISE...                                                                   
Saavedra Fontes



As ruas perdem o brilho da ensolarada alegria do verão e abastece a cidade de um ar de formalidade mal estabelecida. Os cumprimentos são pesados, medidos, o sorriso morre nos lábios fechados pela síndrome da preocupação. 

Falta o rumor dos passos apressados, o ruído de saias farfalhando, o barulho dos motores convencionais e das buzinas estridentes. Até o alarma contra roubo é falso no veículo estacionado na esquina, como é falso o bom humor do cambista, maluco pra se livrar do “pavão encalhado” ou de um “burro pela metade.

Os bares diurnos perdem o eco das vozes, habitualmente multiplicadas diante de uma garrafa de cerveja ou uma xícara de café. Um e outro frequentador assíduo se manifesta, praguejando contra as cadeiras vazias e o palco silencioso das discussões mundanas. O olhar é frio das pessoas que passam atarefadas, preocupadas com os problemas diários. É pálido o rosto do homem compromissado com dívidas cujos sonhos terminam no fim do mês... E como é louca a atitude do mendigo bêbedo, que se põe a dançar no meio da avenida, desafiando os veículos que passam e a mórbida seleção do destino que o fez o último dos homens.

Estranha é a manifestação de agrado no rosto familiar que acaba de nos acenar, taciturno e sombrio como as badaladas do sino da matriz em dobre fúnebre. Aqui, a sensação de fragilidade do homem maduro diante das raras opções de trabalho, solidariedade e compreensão. Ali, a inutilidade do gesto de tocar com os dedos a vitrine colorida e os sonhos vazios da possibilidade de consumo. Além, a extensão do remorso no pobre que perdeu a cabeça por tão pouco de forma inexplicável e brusca. A miséria e a fome. Os desejos impossíveis da criança... 

Duro é concluir que no cômputo geral existe um “quase”, essa forma de ironia que serve para separar as coisas. Quase um convite à revolta, quase um grito de dor, quase o desespero e a morte não fosse a incrível capacidade de alguns de ainda crer na vida e manter a esperança no amanhã. Mas a esperança e o otimismo sobrevivem entre os privilegiados das classes mais elevadas. 

Na hipocrisia dos que compram o seu voto por algumas promessas não cumpridas e nos olham de cima amparados no poder. Porque a  crise só atinge os pobres e miseráveis, que vivem e morrem esquecidos.




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