terça-feira, 6 de junho de 2017

Crônicas de Whisner Fraga

 




Exumação

Whisner Fraga é escritor.ALAMI


O terreno em que enterrara Bicho havia se tornado um canteiro de obras. Os alunos da Civil cavoucavam a teoria em busca de alicerces, baldrames, pilares.
As chances de se depararem com os ossos dele não eram desprezíveis e foi o que ocorreu. Ana passava em frente e presenciou a exumação. Sabia que era nosso gato. Sabia que estava lhe sendo concedida a chance de se despedir.
Quando do sofrimento, das injeções, do abatimento, lá no fim, Ana não tivera estômago para acompanhar os trâmites: o transporte do corpo, o funeral.
Pede ajuda a alguns colegas e decide sepultá-lo em um local mais calmo. Feita a oração, aberta a vala, foram-se os restos para a terra novamente.
Retornamos às nossas incoerências, já esquecidos, já resignados, já consolados, quando uma turma de adolescentes bate à sala de Ana. Um deles, meio assustado, em tom respeitoso, quase solene, se adianta:
- Moça, não achamos muito certo o que aconteceu.
Ana certamente ponderou que repreendiam nossa atitude, que o ambiente era quase público demais para que o transformássemos em cemitério. Continuou:
- O gato descansava e a gente foi lá incomodá-lo.
Ana escutava, surpresa. Outro se interessou:
- Como é que ele se chamava?
- Zagreus. O apelido era Bicho, mas o nome mesmo era Zagreus.
Quis emendar que não era o da mitologia grega, mas o do romance de Albert Camus, mas ponderou que soaria arrogante naquele momento. O que havia iniciado o diálogo sugeriu:
- Então a gente vai dar o nome ao laboratório de Zagreus. Por enquanto “Canteiro de obras Zagreus”. A senhora concorda?
Ana, emocionada, oferece-lhes uma placa para o tributo.
Os alunos se despedem, agradecidos. A homenagem ficaria melhor do que imaginavam. Bicho merece.
De nossa parte, uma policromia de esperanças

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