Exumação
Whisner Fraga é
escritor.ALAMI
O terreno em que enterrara Bicho havia se tornado um
canteiro de obras. Os alunos da Civil cavoucavam a teoria em busca de
alicerces, baldrames, pilares.
As chances de se depararem com os ossos dele não eram
desprezíveis e foi o que ocorreu. Ana passava em frente e presenciou a exumação.
Sabia que era nosso gato. Sabia que estava lhe sendo concedida a chance de se
despedir.
Quando do sofrimento, das injeções, do abatimento, lá no
fim, Ana não tivera estômago para acompanhar os trâmites: o transporte do
corpo, o funeral.
Pede ajuda a alguns colegas e decide sepultá-lo em um local
mais calmo. Feita a oração, aberta a vala, foram-se os restos para a terra
novamente.
Retornamos às nossas incoerências, já esquecidos, já resignados,
já consolados, quando uma turma de adolescentes bate à sala de Ana. Um deles, meio
assustado, em tom respeitoso, quase solene, se adianta:
- Moça, não achamos muito certo o que aconteceu.
Ana certamente ponderou que repreendiam nossa atitude, que o
ambiente era quase público demais para que o transformássemos em cemitério. Continuou:
- O gato descansava e a gente foi lá incomodá-lo.
Ana escutava, surpresa. Outro se interessou:
- Como é que ele se chamava?
- Zagreus. O apelido era Bicho, mas o nome mesmo era
Zagreus.
Quis emendar que não era o da mitologia grega, mas o do
romance de Albert Camus, mas ponderou que soaria arrogante naquele momento. O
que havia iniciado o diálogo sugeriu:
- Então a gente vai dar o nome ao laboratório de Zagreus.
Por enquanto “Canteiro de obras Zagreus”. A senhora concorda?
Ana, emocionada, oferece-lhes uma placa para o tributo.
Os alunos se despedem, agradecidos. A homenagem ficaria
melhor do que imaginavam. Bicho merece.
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