Olhos penetrantes
Jair
Humberto Rosa
Onze da noite, saí do Colégio
Comercial Professor Bernardo Leite Silva, na Praça da Liberdadee rumei para o ponto de ônibus,
bem perto da escola, na Praça João Mendes. Era mês de março, fazia um mês que
começara meu último ano do Colegial.
Cansado e com fome, seguira a rotina de todos os
dias; de segunda a sextadeixava o trabalho às seis da tarde e ia para a escola,
a pé, caminhando meia hora. Perto do colégio, um prédio antigo e com aparência
de abandono, tinha um barzinho onde eu comia um pão francês com margarina e
bebia um guaraná caçula, o que representava meu jantar.
Logo que entrei, sendo um dos
primeiros, já que àquela hora, no ponto inicial poucos eram os passageiros,
passei pela catraca, pagando minha passagem com as moedas que eu já levava na
quantia certa. Não queria dar trabalho ao cobrador e também gosto de dispor das
moedas que recebo, para não acabar perdendo-as.
Sentei-me no corredor, do lado
direito, aproximadamente no meio do veículo.
O ônibus partiu pontualmente às onze
e quinze.
Como de costume, logo que me sentei,
uma sonolência tomou conta de mim, fechei os olhos e cochilei.
Uma forte freada num cruzamento
causou rebuliço no ônibus, inevitavelmente me tirando do
sono. Quase caí, mas deu para segurar-me na lateral do banco.
Sobressaltado, não tive mais vontade
de fechar os olhos, o que me proporcionou a visão que tive logo no primeiro
ponto de parada que se seguiu; cabelos pretos lisos e compridos, olhos
amendoados, corpo esbelto. A moça subiu a escada, sentou-se na poltrona da
esquerda, lado oposto ao que eu estava.
Não obstante o frio reinante no
centro da capital, senti uma forte onda de calor tomar conta de mim; despertei
de vez, fiquei olhando fixamente para aquela figura impressionantemente bela,
com as batidas cardíacas se acelerando significativamente.
Fiquei assustado por dois minutos,
enquanto não desviava os olhos da garota,e não conseguia entender o que ocorria com minha reação ao que
eu vislumbrava. Depois, sem forças para controlar-me, nem ao ponto de agir
conforme o sujeito controlado que sempre fui, permaneci encarando-a
ostensivamente. Senti que ela ficou incomodada a certa altura, devendo ter
percebido minha atitude e podendo mesmo ter tido receio do meu comportamento.
Olhou-me de forma rápida com seus olhos penetrantes, logo desviando o olhar.
No Butantã ela desceu, e eu fiquei
olhando-a enquanto foi possível, esticando o pescoço para mirá-la pela janela,
até que sua silhueta desapareceu de meu campo de visão. Pareceu-me que estava
tendo uma perda irreparável, o que soava estranho para mim, que sempre achei
que só se pode perder algo que se tem.
Seguiram-se dias de desassossego.
Aquela figura angelical não saía da minha mente. E eu não sabia nem quem era,
como encontrá-la, muito menos pensava em uma maneira factível de conversar com
ela.
Todas as noites, de segunda a
sexta-feira, até meados do mês de dezembro, entrei, sempre atento, no ônibus da
linha 036, e atento permanecia até a parada do Largo de Pinheiros, embora ela
tivesse embarcado, na única vez que tive a emoção de encontrá-la, na Nove de Julho. Eu tinha a
esperança de revê-la.
Muitas vezescorri risco de ter
acidente no trabalho, na fábrica em que eu atuava como operário, distraído com
o pensamento voltado para aquela garota desconhecida que tanto me
impressionara. Por duas vezes fui repreendido pelo chefe, que percebeu minhas
atitudes. No colégio, à noite, a abstração era maior,e eu já não conseguia assimilar com clareza as
aulas que eram ministradas.
Chegando as férias escolares,
coincidindo com o período em que a produção da indústria tinha acentuada
redução, os proprietários resolveram fazer várias demissões, e eu fui um dos
escolhidos.
Como tive que arranjar outro emprego
urgentemente, fui trabalhar no Jaraguá, e forçoso foi mudar de escola, não
tendo mais oportunidade de ir ao centro da capital.
Foi mais uma perda, mas não tão
sentida quanto a que me marcou para sempre; aquela figura feminina, linda e
misteriosa, nunca mais saiu de minha lembrança.
Muito bom!!!
ResponderExcluirExcelente.
ResponderExcluirMuito bom.
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