OS CAMINHOS DA DÚVIDA
Saavedra Fontes
Há muitos anos atrás eu
me vi caminhando, sem sentido, pelo campo minado da dúvida. Nem a força da
juventude conseguiu evitar o sofrimento. As respostas que eu queria não estavam
em mim e procurá-las nos outros me parecia pouco confiável. A semente plantada
em meu espírito pela minha mãe, na época de bom tamanho, aconselhou-me a orar.
O problema é que as dúvidas começavam ali. Passei por caminhos tortuosos,
procurei atalhos, evitei pedras e espinhos e segui. Algo me dizia que não devia
parar ou me deixar vencer pelo cansaço. Cruzei com muita gente, igual ou pior
do que eu passando pelo mesmo problema. O mais humilde de todos revelou-me o
segredo: “- Não procure a verdade, ela por si só chegará até você”. A sabedoria
e a verdade estariam com aqueles cuja simplicidade e modéstia no agir e no
pensar são mais evidentes? Os livros sagrados de qualquer povo ou religião não
exaltam os presunçosos, isto deve explicar alguma coisa.
Mas o que é a verdade?
Pelo simples hábito de observar notamos que ela tem inúmeros significados e não
é a mesma em cada um de nós. Para Tomás de Aquino ela é a expressão da
realidade, isso explica em parte a dificuldade de traduzi-la de maneira
absoluta. A realidade é mutante e no mundo globalizado como o nosso adquire formas
particulares, sob o jugo constante da mídia sustentada pelo sistema capitalista.
As religiões a define de acordo com os interesses de seus dogmas de fé, porque
a crença é fundamental. A ciência a vê multifacetada, comprovando algumas e
deixando outras para serem contestadas. Não existe a verdade absoluta,
A definição grega para
a verdade é no mínimo curiosa, pois “aletheia” se traduz por aquilo que
é visível aos olhos e à razão. Só que é muito pouco diante da nossa busca incessante
o que podemos ver, se os problemas espirituais ficam concentrados na boa
vontade de nossa fé e é um mistério. Talvez porque os gregos fossem artistas
sua concepção de verdade fosse diferente. O pensamento prático dos romanos
chamava a verdade de “veritas”, que em latim significa o
que pode ser provado. Em hebraico “emunah” quer dizer confiança ou
esperança de que o que será revelado virá por meio de Deus. Uma forma romântica
e religiosa de transferir o problema.
Com o meu modesto cérebro
levado a pensar, chego à conclusão de que a verdade é uma só, mas nos está
sendo entregue em doses homeopáticas, de acordo com a evolução do homem e de
suas pesquisas. Talvez Deus não tenha nada a ver com isso ou queira permitir,
como Pai complacente e habilidoso, que a gente aprenda sozinho, apanhando,
sofrendo ou descobrindo através dos privilegiados gênios da Humanidade.
Uma das grandes lições
que levei na vida, ocorreu quando eu era ainda adolescente e rebelde. Fiz uma
crítica, até certo ponto ofensiva, à crença que minha mãe depositava nos
milagres de suas novenas a Santo Antônio. Naquele dia, ele havia prometido que
no nono dia conseguiria a cura de uma epífora, uma retenção de lágrimas nos
olhos de uma criança vizinha nossa, causada talvez pelo entupimento do canal
lacrimal. Incrédulo, critiquei-a pelo fato de haver prometido que a cura
ocorreria exatamente no último dia da novena. Cético, eu achava que poderiam
ocorrer duas coisas: ou não surtiria efeito ou a cura poderia acontecer por
vias naturais antes ou depois da data combinada. Levei o maior pito de dona
Nenem, minha mãe, que não admitia que se duvidasse dos
milagres de Santo Antônio. E não é que exatamente no nono dia da novena, pela
primeira vez o menino acordou curado, de olhos bem abertos e sob os aplausos e
a alegria de sua mãe. Descobri então que milagres existem e que as orações
sejam elas de qualquer religião têm muito valor. Foi minha primeira verdade
revelada.
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