Uma realidade
oculta em grandes centros urbanos
Jarbas
W. Avelar
Quando estudante de Direito em São Paulo, voluntariamente me aproximei
da instituição sem fins lucrativos, de âmbito internacional, Lar de
Paraplégicos, que tem por objeto estatutário dar assistência a pessoas
portadoras desta deficiência, bem como às suas famílias que, consternadas pelo
infortúnio do parente enfermo, cercam-no de atenções e mimos em alguns casos em
demasia, condicionando-o à permanente dependência, por obstruírem seu
crescimento, seu progresso.
A instituição prioriza os grandes centros urbanos, onde o estresse e as
interferências psicossociais exercem determinante influência nos sentimentos
das pessoas, e, no caso de pessoas que têm parentes paraplégicos em casa, estas
interferências são intensificadas pelo natural efeito, desgastante da longa
convivência. Por precisarem da companhia constante de um familiar,
conseqüentemente, privam-no de participar de eventos sociais e recreativos.
O desgaste causado por esta convivência altera o humor de todos da
família. O sentimento de consternação é substituído pela sensação de que são
punidos, sem que sejam culpados pela fatalidade de terem um paraplégico na
família. Por sua vez, esta sensação evolui para ressentimentos, estágio que os
faz se sentirem no direito de acomodar o parente paraplégico que
passou a ser um estorvo, num cômodo isolado da casa, sob o pretexto de lhe
darem espaço privativo para nele viver a seu modo. Há casos em que ele é
transferido para cômodos, nos fundos dos quintais, onde fica recluso. São
recorrentes as denúncias de tratamentos desumanos.
Muito embora confirmados os maus tratos, há familiares que oferecem
resistência a intervenções da instituição. Negam a existência do parente
paraplégico, e dificultam o acesso. Vencidas a resistência e as dificuldades,
os agentes credenciados assistem o paraplégico recluso; muitas vezes, em
lugares sem as mínimas condições de higiene e salubridade, e ele se esconde ou
avança, como um animal selvagem, tal seu estado de desordem mental.
Com autorização dos familiares, é levado para um Lar de Paraplégicos,
onde passa a conviver com seus iguais. Em questão de dias, ele recupera sua auto-estima
e se desperta para a busca de sua auto-suficiência; a exemplo dos demais. O Lar
é administrado por seus moradores, sucessivamente, com gestões de um ano.
As mulheres se dedicam a afazeres domésticos, à confecção de roupas para
crianças e ao artesanato: pintura em tecido, bordado, confecção de bijuteria,
tiara... Os homens se voltam para a fabricação, em madeira, de
casinhas e mobílias para criança brincar, tamancos, para crianças e adultos,
carrinhos de brinquedo... Nos fins de semana, promovem bazar para venda dos
produtos às pessoas que os visitam.
Lembro-me do morador de um dos Lares, que
adaptou um carrinho de pipoca à sua cadeira de rodas, e de um fato, revestido
de muita ternura: o nascimento de uma menininha, filha de um casal de
paraplégicos; também moradores de um dos Lares. Ela encheu o Lar de alegria,
energia e vitalidade.
*Jarbas W. Avelar
Advogado e Escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário