sábado, 17 de outubro de 2015

Crônicas do Jarbas Avelar






Uma realidade oculta em grandes centros urbanos


          Jarbas W. Avelar

Quando estudante de Direito em São Paulo, voluntariamente me aproximei da instituição sem fins lucrativos, de âmbito internacional, Lar de Paraplégicos, que tem por objeto estatutário dar assistência a pessoas portadoras desta deficiência, bem como às suas famílias que, consternadas pelo infortúnio do parente enfermo, cercam-no de atenções e mimos em alguns casos em demasia, condicionando-o à permanente dependência, por obstruírem seu crescimento, seu progresso.
A instituição prioriza os grandes centros urbanos, onde o estresse e as interferências psicossociais exercem determinante influência nos sentimentos das pessoas, e, no caso de pessoas que têm parentes paraplégicos em casa, estas interferências são intensificadas pelo natural efeito, desgastante da longa convivência. Por precisarem da companhia constante de um familiar, conseqüentemente, privam-no de participar de eventos sociais e recreativos.
O desgaste causado por esta convivência altera o humor de todos da família. O sentimento de consternação é substituído pela sensação de que são punidos, sem que sejam culpados pela fatalidade de terem um paraplégico na família. Por sua vez, esta sensação evolui para ressentimentos, estágio que os faz se sentirem no direito de acomodar o parente paraplégico  que passou a ser um estorvo, num cômodo isolado da casa, sob o pretexto de lhe darem espaço privativo para nele viver a seu modo. Há casos em que ele é transferido para cômodos, nos fundos dos quintais, onde fica recluso. São recorrentes as denúncias de tratamentos desumanos.
Muito embora confirmados os maus tratos, há familiares que oferecem resistência a intervenções da instituição. Negam a existência do parente paraplégico, e dificultam o acesso. Vencidas a resistência e as dificuldades, os agentes credenciados assistem o paraplégico recluso; muitas vezes, em lugares sem as mínimas condições de higiene e salubridade, e ele se esconde ou avança, como um animal selvagem, tal seu estado de desordem mental.
Com autorização dos familiares, é levado para um Lar de Paraplégicos, onde passa a conviver com seus iguais. Em questão de dias, ele recupera sua auto-estima e se desperta para a busca de sua auto-suficiência; a exemplo dos demais. O Lar é administrado por seus moradores, sucessivamente, com gestões de um ano.
As mulheres se dedicam a afazeres domésticos, à confecção de roupas para crianças e ao artesanato: pintura em tecido, bordado, confecção de bijuteria, tiara... Os homens se voltam  para a fabricação, em madeira, de casinhas e mobílias para criança brincar, tamancos, para crianças e adultos, carrinhos de brinquedo... Nos fins de semana, promovem bazar para venda dos produtos às pessoas que os visitam.
 Lembro-me do morador de um dos Lares, que adaptou um carrinho de pipoca à sua cadeira de rodas, e de um fato, revestido de muita ternura: o nascimento de uma menininha, filha de um casal de paraplégicos; também moradores de um dos Lares. Ela encheu o Lar de alegria, energia e vitalidade.


*Jarbas W. Avelar
Advogado e Escritor                                                                                                                                                    



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