O HOMEM E O TEMPO
Saavedra Fontes
Feito borboleta de vôo incerto,
levando nas asas filigranas de sonhos coloridos, imaginando-se belo, forte e
eterno apesar da vida efêmera, lá vai o Homem - pobre Ser Humano - tecendo um
roteiro a seu modo, como se o tempo fosse escravo de seus caprichos e
não o inverso, essa triste verdade. Das criaturas é a mais perversa, a mais
teimosa, a mais cheia de orgulho e presunção. Dotado de inteligência ele pode e
deve reconhecer os seus erros e acertos, mas não é capaz manter estes e evitar
a repetição daqueles. Tolhe-o no bom senso o egoísmo inato e nunca se dá conta
de que não é o tempo que passa, mas simplesmente ele, viajante de muitas vidas,
herdeiro de inúmeras experiências.
A maldição de Abel e Caim
persiste até nos dias de hoje nas guerras fratricidas, na inveja que gera o
ódio, na ambição que destrói a paz e a compreensão entre irmãos, na teimosia
latente de anjo caído. O homem percebeu até hoje, que o tempo é convenção humana,
criado para posicioná-lo dentro do processo histórico geral e particular, na
defesa de sua identidade. Caso contrário o ele não seria o ator principal neste
enorme teatro que é a vida, mas um simples coadjuvante sem nenhuma participação
importante e deliberada. E se deixa levar pelas ilusões...
Mas há um momento em que tudo
para e ele passa de ingênuo e tolo aventureiro a grave e circunspecto
observador da vida. É quando envelhece. Não me refiro à decrepitude normal dos
seres vivos, à deterioração da carne, dos músculos e dos órgãos vitais.
Tampouco estou falando sobre a perda do viço da juventude e consequente
tristeza, que deixam marcas reveladoras.
Quero lembrar que existe no Homem algo que sobrevive a tudo isso, e que
ele vai naturalmente reconhecer através da intuição e da maturidade de seus
pensamentos: a existência de seu espírito, de sua alma.
No ato de tomar conhecimento de
sua vida interior, ele pode se deixar subjugar pela revolta ou crescer pelo
entendimento, adquirindo aos poucos a noção de sua fragilidade. Procurando
fortalecer-se, gerando para si estruturas morais condizentes com a vontade de reerguer-se, para suportar a morte
de todas as ilusões e pode defrontar-se com a realidade. É a maturidade que não
nos chega obrigatoriamente com a idade, mas com as experiências diárias no
exercício de viver. Não é próprio de o Homem retroagir nos conhecimentos
adquiridos, mas é comum a sua rebeldia que o torna recalcitrante, tolo, pasmo e
indefinido na fase de crescimento
interior. A felicidade está em compreender a finalidade da vida, que é
passageira, mas maravilhosa se soubermos usufruí-la bem. E o tempo é mestre.
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