Saavedra Fontes
Toda lenda é um disfarce da
verdade. Da mesma forma que a parábola ela encanta pelo imaginário poético,
ensina e nos ajuda a viver. Recordo-me de uma história que ouvi não sei onde,
contada não sei por quem, que retrata com fidelidade nossa relação com o
destino, com os anos, com os séculos, com os milênios...
“ERA UMA VEZ um velho rei de um
lugar distante, que ambicionava ampliar seu reino, que estava ficando pequeno
para os seus súditos que nasciam todos os anos. Das ameias da muralha de seu
castelo olhava diariamente a linha misteriosa do horizonte e sonhava.
Debilitado pela idade não se aventurava a enfrentar mares desconhecidos e só
possuía duas filhas, que sendo mulheres não poderiam fazê-lo. Precisava
encontrar terras além-mar, para gozar a glória da conquista enquanto ainda vivo
fosse. Suas filhas, entediadas com a vida na corte, convenceram-no a
confiar-lhes a perigosa missão.
Mandou construir enorme veleiro
para elas, incluiu-os na velha frota, hasteou no mastro a bandeira com arma e
brasão real. Exigiu que pintassem no casco o nome escolhido para a nova
embarcação: TEMPO. Imaginou que batizando o navio com tal nome influenciaria a
marujada a correr. A filha mais velha, bela, altiva e corajosa chamava-se
ESPERANÇA, e já dera provas de seu valor. A segunda recebera no batismo o nome
de FÉ, era também formosa, apenas um pouco tímida, recorrendo muitas vezes ao
amparo da irmã. Venceram com facilidade a primeira etapa da longa viagem.
Notaram que o barco era forte, resistente e muito veloz.
Depois de ultrapassarem vagas enormes,
tempestades e calmarias enfrentaram doenças e tragédias, ameaças de motins e
constantes períodos de desânimo, pois a rota era desconhecida e a viagem longa,
muito longa... Os suprimentos foram ficando escassos, muitos morreram e poucos
chegaram ao destino. Ao desembarcarem tomaram posse da terra em nome do rei,
seu pai. Seduziram o gentio e fundaram colônias.
Ao tentarem voltar para comunicar
ao velho rei o sucesso da empreitada verificaram que o grande veleiro, fundeado
a certa distância, recusava-se a voltar. Solta as amarras escapou ao controle
do timoneiro e seguiu a corrente, que o afastou lentamente dos olhos de todos.
Como um navio fantasma penetrou na
penumbra marítima e desapareceu de vez.
E o velho rei, alquebrado e
doente, morreu sem saber que havia perdido o TEMPO e suas diletas filhas
ESPERANÇA e FÉ. Esta, às vezes indagava
se o navio havia afundado, mas sua irmã ESPERANÇA dizia que não, que o tempo
não fora feito para naufragar, apenas para navegar.
Perdemos o TEMPO, dizia a mais velha, mas podemos
construir um novo. E ficaram famosas pela determinação. Que seja sempre assim,
que o tempo passe, vá embora, mas nos deixe a esperança e a fé. Para isso é que
servem as lendas...###
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