sexta-feira, 9 de maio de 2014

Crônicas do Saavedra



PARA QUE SERVEM AS LENDAS 
Saavedra Fontes


Toda lenda é um disfarce da verdade. Da mesma forma que a parábola ela encanta pelo imaginário poético, ensina e nos ajuda a viver. Recordo-me de uma história que ouvi não sei onde, contada não sei por quem, que retrata com fidelidade nossa relação com o destino, com os anos, com os séculos, com os milênios...

“ERA UMA VEZ um velho rei de um lugar distante, que ambicionava ampliar seu reino, que estava ficando pequeno para os seus súditos que nasciam todos os anos. Das ameias da muralha de seu castelo olhava diariamente a linha misteriosa do horizonte e sonhava. Debilitado pela idade não se aventurava a enfrentar mares desconhecidos e só possuía duas filhas, que sendo mulheres não poderiam fazê-lo. Precisava encontrar terras além-mar, para gozar a glória da conquista enquanto ainda vivo fosse. Suas filhas, entediadas com a vida na corte, convenceram-no a confiar-lhes a perigosa missão.
Mandou construir enorme veleiro para elas, incluiu-os na velha frota, hasteou no mastro a bandeira com arma e brasão real. Exigiu que pintassem no casco o nome escolhido para a nova embarcação: TEMPO. Imaginou que batizando o navio com tal nome influenciaria a marujada a correr. A filha mais velha, bela, altiva e corajosa chamava-se ESPERANÇA, e já dera provas de seu valor. A segunda recebera no batismo o nome de FÉ, era também formosa, apenas um pouco tímida, recorrendo muitas vezes ao amparo da irmã. Venceram com facilidade a primeira etapa da longa viagem. Notaram que o barco era forte, resistente e muito veloz.

Depois de ultrapassarem vagas enormes, tempestades e calmarias enfrentaram doenças e tragédias, ameaças de motins e constantes períodos de desânimo, pois a rota era desconhecida e a viagem longa, muito longa... Os suprimentos foram ficando escassos, muitos morreram e poucos chegaram ao destino. Ao desembarcarem tomaram posse da terra em nome do rei, seu pai. Seduziram o gentio e fundaram colônias.
Ao tentarem voltar para comunicar ao velho rei o sucesso da empreitada verificaram que o grande veleiro, fundeado a certa distância, recusava-se a voltar. Solta as amarras escapou ao controle do timoneiro e seguiu a corrente, que o afastou lentamente dos olhos de todos. Como um navio fantasma penetrou  na penumbra marítima e desapareceu de vez.

E o velho rei, alquebrado e doente, morreu sem saber que havia perdido o TEMPO e suas diletas filhas ESPERANÇA  e FÉ. Esta, às vezes indagava se o navio havia afundado, mas sua irmã ESPERANÇA dizia que não, que o tempo não fora feito para naufragar, apenas para navegar. 

Perdemos o TEMPO, dizia a mais velha, mas podemos construir um novo. E ficaram famosas pela determinação. Que seja sempre assim, que o tempo passe, vá embora, mas nos deixe a esperança e a fé. Para isso é que servem as lendas...###



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