quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Crônicas de Welington Muniz




















Devaneios de uma criança
#Welington Muniz Ribeiro - Murito
A criança pensava e sabia que não devia parar de pensar. A vida de pensamentos eleva-se a um viver vivendo. E aquele pensamento criança erguia um mundo maravilhoso de sonhos gigantes. Um pequeno gigante.
O infante de olhar arregalado pelo tato bucal ia, aos poucos, conhecendo os enigmas que vão pousando à sua frente, a cada passo que iniciava.
Um passo trêmulo, sem forças físicas, mas condensados de poderes mentais.
Tudo estranho para aqueles olhos tão pequeninos que veem um todo, embaçado em nuvens de fumaça turva, que lhe impede a visão, mas não a sua mente preguiçosa que começa a desvendar os mistérios do seu segundo habitat.
Até, há bem pouco, o útero maternal é que mantinha preso aquele curioso que agora despertava.
Quanto sofrimento lhe causou e ainda causará agora, por sua vontade de pensar.
E aqueles passos lentos, desengonçados, não paravam.
Corriam mundos.
Percorriam universos.
O seu cérebro sonolento, em pouco tempo já descobrira que não lhe ia ser fácil conquistar aquilo que começava a conquistar, aquilo que começaria a ver.
Atrás de si tinha a supervisão poderosa das leis sociais que ele tinha que engolir.
Tão pequenino, tão inocente, e já caía sobre si, a restrição de sua liberdade.
O ingênuo iniciava os preparativos para os dogmas de como se deve viver para ser humano. E o animalzinho crescia.
Longe estão Hiroshima e Nagasaki.
Sua mente despoluída ia metodicamente recebendo o pó e os gases de uma civilização contemporânea. Não tivera nem uma chance, pequena que fosse, de ser verdadeiramente ele.
 Distorciam os seus negligentes pensamentos. Devaneios já se iniciaram.
Aprendeu a dizer mamãe e papai. O instinto lhe dizia que era a única coisa que poderia dizer à vontade.
Não poderiam proibi-lo de pensar, e ele pensava.
Os enigmas de um quebra-cabeça não deixariam que ele desvendasse sozinho. Ele devia ser modelado, devia seguir um raciocínio já feito, não poderia cometer o erro de encontrar a solução por outros métodos.
Os mestres não erram.
E aquela máquina nascia e crescia. A vida lhe abria as portas e ele, cego, caminhava, seguia pensamentos que nasciam, ideias que brotavam, curiosidades que o aguçavam, mas encontrou uma muralha e nela leu pela primeira vez: “Penses em tudo mas não faças tudo que pensas”.
Veio então a decepção, cresceu o ódio, ilusões que o iludiam, sonhos infantis que morreriam. Aprendeu a amar, odiando.
Como presente pela sua curiosidade, sua vontade de descobrir, recebeu o tapa de propriedades alheias, de coisas que se julgam proibidas por não serem desvendadas pela ignorância da humanidade. Pela nossa preguiça de vencer, de resolver.
Pela comodidade de nos adaptar, optamos pelo proibido como solução de problemas que envolvem um pouco mais de trabalho e raciocínio.
E aquela criança teve diante de si tudo que pensava. Tudo que procurava e que depois da muralha só as veria novamente em pensamentos, em sonhos. Teria que dividir com outros a única coisa que lhe sobrava e que agora se tornaria menor, pois poderia utilizar apenas uma pequena parte de sua liberdade.
Mas ninguém poderia impedi-lo de pensar. E ele pensava. Seus pensamentos, agora não ingênuos reconheciam pela primeira vez que, em toda parte do mundo, estavam nascendo minúsculas máquinas, que cresciam, que sonhavam, que davam origem a novas maquininhas e essas outras e mais outras.
E ele pensava na muralha. A muralha que, ainda, permanecia sólida, resistente à corrosão do tempo.
E a humanidade, cada vez mais maquinal, não se dava conta da natureza que morria. E enchia o mundo de maquininhas que cresciam, que...
E aquela máquina pensava, sonhava e criava máquinas.
E aquela criança, não tão criança, pensava.
E pensava em quê? 

Welington Muniz é escritor - médico - Acadêmico da Academia de Letras, Artes e Música de Ituiutaba.   

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