domingo, 27 de outubro de 2019

Crônicas de Arlindo Maximiano Drummond















RECEBENDO VISITAS

# Arlindo Maximiano Drummond

Sentado em um banco de Locomotiva, observado por Flávio de Carvalho, Volpi e uns Farnese, tendo ao lado os livros como companhia, e em cima de uma mesa em outra sala fotografias dos amigos, meus pais e meus avós. A TV, claro, desligada. Muitos rascunhos, como esse, me perturbam por nunca acabá-los. O inferno do celular carregando e toda hora um sinal de mensagem sem futuro. Se for analisar, só coisas indigestas, parentes e as ex me ocupando sempre, chatices.

Então recebo Harold Bloom hoje, perfeito, discursando seu gênio só para mim, deleito-me.

Ontem foi Homero me fazendo acreditar ainda mais na criação divina, me pergunto como ele conseguiu ver deuses e homens combatendo juntos nos muros de Tróia. Daí onde surgiu minha tara e minha visão sobre as mulheres.

Amanhã receberei Dante e entendendo, por culpa dele, o purgatório que vivo neste momento, refletirei muito se mereço a salvação. Não sei se quero estagiar no último milagre celestial.

E dormindo pouco, como Spinoza, me pego gostando dessas madrugadas solitárias onde bate em mim a crença de cada vez mais encontrar sentido na existência.

 # Arlindo Maximiano Drummond é Cronista - Escreve para a revista Cult, Editora Cult Uberlândia. 


sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Crônicas de Leíse Sanches

  








 DE REPENTE

#Leíse Sanches

De repente, vem-me um desejo louco de viajar na história para encontrar a criança que fui tempos atrás. Seria mágico presenciar seu nascimento! Eu ouviria o choro, os primeiros gritos e risadas. Eu pegaria esse bebê no colo, acariciaria seus cabelinhos e tentaria ver bem dentro dos seus olhos o que as palavras não conseguem dizer. Então, com um abraço bem apertado, eu lhe faria entender que estava protegida e que não precisaria sentir medo de nada. Eu  me deleitaria  ao ver seu crescimento, suas percepções, reações, e faria tudo para que ela soubesse que era preciosa, única e muito amada. Também tentaria segurar a pressa do tempo que insiste em correr. Mas eu correria com a menina de mãos dadas, como num resgate do melhor de mim. Ainda posso sentir o brilho dos seus olhinhos ao me observar no espelho. Ainda sinto seu coração disparando pelas surpresas que a vida insiste em nos trazer. E, apesar de não ser apropriado, continuo a lhe satisfazer as vontades comendo chocolates, pirulitos, balinhas e sorvetes. E a impetuosidade dela é tão forte que ainda me pego pulando e saltitando, como se a vida fosse uma interminável brincadeira....Num sobressalto, percebo então que a criança que eu gostaria de encontrar em um passado distante é mais presente que a imagem que se impõe a esses olhos empoeirados pelo tempo. Ela brinca de esconde-esconde, mas não me deixou sozinha nessa brincadeira de contar. Ela está aqui me salvando de mim mesma e me dando motivos para continuar saltitante e cheia de entusiasmo pela vida.

#Leíse Sanches - Professora no Conservatório Estadual de Música "José Zoccoli de Andrade" - Regente da Orquestra de Teclados "Zélio Sanches Navarro" - Acadêmica da ALAMI - Academia de Letras, Artes e Música de Ituiutaba. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Crônicas de Welington Muniz Ribeiro











 A ira da Bené

#Welington Muniz Ribeiro - Murito 


De repente, ali na rua, encostado na calçada, estava aquele carro com duas mulheres. Cada uma com o seu celular na mão.

Táti   tentava   ligar   não  sei  para   quem.   O   certo   é   que   ela   queria   falar,   por  meio   daquele equipamento, com alguém a distância.

Bené, a outra, nervosa mulher, estava às turras com aquele pequeno telefone circunscrito em suas mãos. Era uma peleja danada!

Cada vez que apertava os números da tela do seu celular, ao final, ouvia aquela voz querendo ser educada:

- Seus créditos são insuficientes para realizar a ligação.
Quanto mais ela insistia, a voz avisava:

- Da próxima vez disque o número nove.
E aquela peleja deixava cada vez mais nervosa a Bené.
Apertava com força aquele perverso aparelho que insistia em não completar a ligação.
Bené se descabelava.
Gritava com o celular na esperança de ele atender ao seu pedido:

- Seu indecente! Não estou falando com você, mas quero falar com uma outra pessoa.
E a voz insistente repetia:

- Seus créditos não são suficientes para completar essa ligação...  Disque o número nove.
Aquela mulher foi cada vez mais perdendo a compostura com a situação. Passou, então, a morder desesperadamente o seu celular e murmurava:

- Me respeite seu troço, senão eu te faço em pedaços.

A ira ia aumentando e Bené já estava com ímpeto de atirar aquela coisa bem longe, para que não pudesse ouvir mais aquela mensagem irritante, mas quase educada.
No entanto, a coisa continuava ali na sua mão, já suada de tanto tentar torcê-la. Cada vez apertava mais.

- Eu te esgano, coisa petulante. Eu te esgano! Gritava Bené com a boca bafejando o visor do celular.

Até chegou a lamber os números que apareciam na tela do celular. Sacolejava o danado.
Repetia a operação de discagem, mas a voz ali estava, penetrando no seu cérebro, percorrendo os giros cerebrais como se fosse um eco da voz de um outro mundo.  

- Seus créditos não são suficientes para completar essa ligação.... Disque o número nove.
Bené entrou em prantos. A sua companheira ao lado, Táti, assustada com aquele destempero de sua colega, não sabia o que fazer.
E o drama continuava.
Quanto mais esfolava aquela máquina falante, mais ela repetia aquela enfadonha frase:

- Seus créditos não são suficientes para completar essa ligação.... Disque o número nove.

De alguma forma o seu celular não respeitava mais o seu comando. Isso irritava ainda mais aquela mulher descabelada, quase em delírio, pois a coisa teimava em não completar a tão sonhada ligação.
Bené, vendo-se naquela confusa situação, abraçou o seu celular e fez um pedido. Tímido, mas fez:

- Se você me obedecer e fizer o que eu quero e completar essa ligação, dou-lhe um beijo sem bafo aqui bem no meio.
As suas mãos doíam de tanto apertar aquela coisa que a olhava e continuava a repetir a mesma frase todas as vezes que os números eram discados.
De repente, Bené, perdendo a razão de si, soltou uma grande gargalhada e arrancou seu carro em direção ao semáforo que estava mostrando a cor vermelha, deu uma tremenda freada e resmungou:

- Tomou, danado! Vê Táti, como essa coisa tumultua a vida da gente!
Táti, assustada com o arranco do carro e aquela freada brusca, olhou para a sua colega e pensou:

- Cada um tem o seu dia de louco. E benzeu-se.

Parada, ali, na rua, sinal fechado, Bené acariciou mais uma vez aquela coisa teimosa que insistia em perturbar os seus pensamentos e a sua razão.
Táti não tirava os olhos de sua amiga, esperando por mais um momento de seu destempero. A  cor   do  semáforo  tornou-se   verde.  Abriu para   quem   queria  passar com   agonia  ou sem agonia.
Acelerando o seu carro, lá se foi Bené, com o seu celular repetindo, como um eco, em sua
mente:

- Seus créditos não são suficientes para completar essa ligação.... Disque o número nove.

#Welington Muniz Ribeiro - Murito  ( Médico e escritor, autor do livro "Embrulhado entre vírgulas e outros e outros contos)

 
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