A ira da Bené
#Welington Muniz Ribeiro - Murito
De repente, ali na rua, encostado na calçada, estava aquele carro com
duas mulheres. Cada uma com o seu celular na mão.
Táti tentava ligar não sei para
quem.
O
certo
é
que
ela
queria
falar,
por
meio
daquele equipamento, com alguém a distância.
Bené, a outra, nervosa mulher, estava às turras com aquele pequeno
telefone circunscrito em suas mãos. Era uma peleja danada!
Cada vez que apertava os números da tela do seu celular, ao final, ouvia
aquela voz querendo ser educada:
- Seus créditos são insuficientes para realizar a ligação.
Quanto mais ela insistia, a voz avisava:
- Da próxima vez disque o número nove.
E aquela peleja deixava cada vez mais nervosa a Bené.
Apertava com força aquele perverso aparelho que insistia em não
completar a ligação.
Bené se descabelava.
Gritava com o celular na esperança de ele atender ao seu pedido:
- Seu indecente! Não estou falando com você, mas quero falar com uma
outra pessoa.
E a voz insistente repetia:
- Seus créditos não são suficientes para completar essa ligação... Disque o número nove.
Aquela mulher foi cada vez mais perdendo a compostura com a situação.
Passou, então, a morder desesperadamente o seu celular e murmurava:
- Me respeite seu troço, senão eu te faço em pedaços.
A ira ia aumentando e Bené já estava com ímpeto de atirar aquela coisa
bem longe, para que não pudesse ouvir mais aquela mensagem irritante, mas quase educada.
No entanto, a coisa continuava ali na sua mão, já suada de tanto tentar
torcê-la. Cada vez apertava mais.
- Eu te esgano, coisa petulante. Eu te esgano! Gritava Bené com a boca
bafejando o visor do celular.
Até chegou a lamber os números que apareciam na tela do celular. Sacolejava
o danado.
Repetia a operação de discagem, mas a voz ali estava, penetrando no seu
cérebro, percorrendo os giros cerebrais como se fosse um eco da voz de um outro mundo.
- Seus créditos não são suficientes para completar essa ligação....
Disque o número nove.
Bené entrou em prantos. A sua companheira ao lado, Táti, assustada com
aquele destempero de sua colega, não sabia o que fazer.
E o drama continuava.
Quanto mais esfolava aquela máquina falante, mais ela repetia aquela
enfadonha frase:
- Seus créditos não são suficientes para completar essa ligação....
Disque o número nove.
De alguma forma o seu celular não respeitava mais o seu comando. Isso
irritava ainda mais aquela mulher descabelada, quase em delírio, pois a coisa teimava em não
completar a tão sonhada ligação.
Bené, vendo-se naquela confusa situação, abraçou o seu celular e fez um
pedido. Tímido, mas fez:
- Se você me obedecer e fizer o que eu quero e completar essa ligação,
dou-lhe um beijo sem bafo aqui bem no meio.
As suas mãos doíam de tanto apertar aquela coisa que a olhava e
continuava a repetir a mesma frase todas as vezes que os números eram discados.
De repente, Bené, perdendo a razão de si, soltou uma grande gargalhada e
arrancou seu carro em direção ao semáforo que estava mostrando a cor vermelha, deu uma
tremenda freada e resmungou:
- Tomou, danado! Vê Táti, como essa coisa tumultua a vida da gente!
Táti, assustada com o arranco do carro e aquela freada brusca, olhou
para a sua colega e pensou:
- Cada um tem o seu dia de louco. E benzeu-se.
Parada, ali, na rua, sinal fechado, Bené acariciou mais uma vez aquela
coisa teimosa que insistia em perturbar os seus pensamentos e a sua razão.
Táti não tirava os olhos de sua amiga, esperando por mais um momento de
seu destempero. A cor do semáforo tornou-se verde. Abriu para quem queria passar com agonia ou sem agonia.
Acelerando o seu carro, lá se foi Bené, com o seu celular repetindo,
como um eco, em sua
mente:
- Seus créditos não são suficientes para completar essa ligação....
Disque o número nove.
#Welington Muniz Ribeiro - Murito ( Médico e escritor, autor do livro "Embrulhado entre vírgulas e outros e outros contos)