Tenho direito a dois!
*Jarbas W. Avelar
De retorno à terra natal, e
estabelecido na área da educação, fiquei chocado com o número de pedintes nas
ruas. Deparava-me com um aqui, outro ali, outro acolá... Esta fatalidade me
causou desassossego. O que fazer? Ignorar? Não! Seria castigado pelo sentimento
de culpa! São meus conterrâneos, meus irmãos...
Com o passar
dos dias, senti os sintomas da tortura psicológica, gerada pela inércia. Tinha
de fazer alguma coisa por aquelas pessoas que viviam em um vácuo. Vida sem
sentido. Viviam por viver, desapegadas de perspectivas, ideais. Vegetavam.
Enquanto não me
ocorria o que por elas fazer, espontaneamente, dei R$1,00 a um pedinte que
apareceu, em uma quinta-feira, em minha escola, pedindo “um auxílio”. Na
segunda-feira, da semana seguinte, voltou. Dei-lhe outra moeda de R$1,00. Na
quinta-feira, da mesma semana, retornou, e, mais uma vez, dei-lhe R$1,00. Notei
que se tornara freguês. Puxei assunto para assimilar seu “modus vivendi”.
Resignado, falava com naturalidade e sem ressentimentos.
Na segunda-feira seguinte,
ele veio, trazendo um amigo. Dei R$1,00 a cada um. Um mês depois, a freguesia
aumentara. Contei oito. Para disciplinar o fluxo, combinamos de virem às
quintas-feiras.
O constante aumento
de fregueses e minha aproximação deles serviram de lenitivo para amenizar a
ânsia por encontrar uma solução para o quadro de mendicância da cidade.
Em uma das
quintas-feiras, um dos mais antigos não apareceu. O que teria acontecido?
Adoecera... falecera... Coitado! Mas, na semana seguinte, ele apareceu. Senti
alívio. Em que pese seu lastimável estado de pobreza, estava saudável.
Entreguei-lhe a costumeira moeda de R$1,00.
Com a moeda na palma
da mão esquerda e olhando em mim, li, em sua fisionomia, indignação. O clima de
admoestação foi por ele quebrado, ao dizer: Eu num vim na semana passada,
tenho direito a dois! Não me contive e, involuntariamente, soltei uma
gargalhada. Os demais, que aguardavam a vez para receber seu adjutório,
descontraidamente, riram de sua franqueza, e passaram a chamá-lo de “Tenho
direito a dois”.
A partir de
então, nosso convívio ficou mais afável, de igual para igual. Eles, isentos dos
recalques comuns em pessoas desfavorecidas, e eu me desvestia dos resquícios de
privilegiado, clima ideal para despertar neles interesse por atividades de natureza
econômica, que lhes rendessem dinheiro sem terem de pedir. Por exemplo:
podar jardins e árvores, lavar carros, engraxar sapatos, distribuir panfletos
publicitários, vender bilhetes de jogos das casas lotéricas. Inspirei-me, neste
item, em experiência adquirida, em São Paulo, como assistente de Lares de
Paraplégicos. Oportunamente, farei abordagem a essa
passagem.
Simultaneamente,
passei a orientá-los a ir à “Farmacinha da Terra”, entidade que se dedica à
manipulação e distribuição, gratuita, de remédios caseiros, e, implantado o
Bolsa-Família, conseguimos inscrever a maior parte deles. Mais recentemente,
alguns foram contemplados no programa Minha Casa, Minha Vida.
Por vezes, encontro
um ou outro pelas ruas; agora, com aparência mais agradável. Dedico-lhes um
dedinho de prosa, momento em que nos lembramos, festivamente, do episódio
“Tenho direito a dois”.
*Jarbas W. Avelar
jarbasavelar@yahoo.com.br
Advogado e Escritor
Parabéns!
ResponderExcluirÓtimo texto
abraços
Enio