sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Crônicas do Jarbas Avelar

 






Tenho direito a dois!

                                                                                                                                                               *Jarbas W. Avelar

 De retorno à terra natal, e estabelecido na área da educação, fiquei chocado com o número de pedintes nas ruas. Deparava-me com um aqui, outro ali, outro acolá... Esta fatalidade me causou desassossego. O que fazer? Ignorar? Não! Seria castigado pelo sentimento de culpa! São meus conterrâneos, meus irmãos...
 Com o passar dos dias, senti os sintomas da tortura psicológica, gerada pela inércia. Tinha de fazer alguma coisa por aquelas pessoas que viviam em um vácuo. Vida sem sentido. Viviam por viver, desapegadas de perspectivas, ideais. Vegetavam.
 Enquanto não me ocorria o que por elas fazer, espontaneamente, dei R$1,00 a um pedinte que apareceu, em uma quinta-feira, em minha escola, pedindo “um auxílio”. Na segunda-feira, da semana seguinte, voltou. Dei-lhe outra moeda de R$1,00. Na quinta-feira, da mesma semana, retornou, e, mais uma vez, dei-lhe R$1,00. Notei que se tornara freguês. Puxei assunto para assimilar seu “modus vivendi”. Resignado, falava com naturalidade e sem ressentimentos.
Na segunda-feira seguinte, ele veio, trazendo um amigo. Dei R$1,00 a cada um. Um mês depois, a freguesia aumentara. Contei oito. Para disciplinar o fluxo, combinamos de virem às quintas-feiras.
O constante aumento de fregueses e minha aproximação deles serviram de lenitivo para amenizar a ânsia por encontrar uma solução para o quadro de mendicância da cidade.
Em uma das quintas-feiras, um dos mais antigos não apareceu. O que teria acontecido? Adoecera... falecera... Coitado! Mas, na semana seguinte, ele apareceu. Senti alívio. Em que pese seu lastimável estado de pobreza, estava saudável. Entreguei-lhe a costumeira moeda de R$1,00.
Com a moeda na palma da mão esquerda e olhando em mim, li, em sua fisionomia, indignação. O clima de admoestação foi por ele quebrado, ao dizer: Eu num vim na semana passada, tenho direito a dois!  Não me contive e, involuntariamente, soltei uma gargalhada. Os demais, que aguardavam a vez para receber seu adjutório, descontraidamente, riram de sua franqueza, e passaram a chamá-lo de “Tenho direito a dois”.
 A partir de então, nosso convívio ficou mais afável, de igual para igual. Eles, isentos dos recalques comuns em pessoas desfavorecidas, e eu me desvestia dos resquícios de privilegiado, clima ideal para despertar neles interesse por atividades de natureza econômica, que lhes rendessem dinheiro sem terem de  pedir. Por exemplo: podar jardins e árvores, lavar carros, engraxar sapatos, distribuir panfletos publicitários, vender bilhetes de jogos das casas lotéricas. Inspirei-me, neste item, em experiência adquirida, em São Paulo, como assistente de Lares de Paraplégicos. Oportunamente, farei abordagem a essa passagem.       
Simultaneamente, passei a orientá-los a ir à “Farmacinha da Terra”, entidade que se dedica à manipulação e distribuição, gratuita, de remédios caseiros, e, implantado o Bolsa-Família, conseguimos inscrever a maior parte deles. Mais recentemente, alguns foram contemplados no programa Minha Casa, Minha Vida.
Por vezes, encontro um ou outro pelas ruas; agora, com aparência mais agradável. Dedico-lhes um dedinho de prosa, momento em que nos lembramos, festivamente, do episódio “Tenho direito a dois”. 

*Jarbas W. Avelar
jarbasavelar@yahoo.com.br

Advogado e Escritor 

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