A CEGUEIRA DO HOMEM MODERNO –
Saavedra Fontes
Às vezes nos perguntamos por que
pessoas de extraordinário valor, exemplos de vida em sua época, têm menos
notoriedade e são menos reconhecidas do que astros e atletas, que nada fizeram
de importante para a Humanidade a não ser diverti-la, embalando-a no mundo dos
sonhos e da fantasia. Seriam a vaidade e a ingenuidade inatas no Homem, sempre
dispostas a iludi-lo, impedindo-o de ver que somos frágeis passageiros em fase
de evolução, as razões dessa insensatez? Seria o Ser Humano tão recalcitrante
nos seus erros, a ponto de não haver eliminado as raízes de sua queda do
Paraíso? É característica nossa reconhecer as boas obras, enaltecê-las,
aplaudi-las quando resultado de sacrifícios, mas sempre a colocamos como sendo
normais e próprias do dever a ser cumprido. Tomamos conhecimento, gravamos na
memória por imposição escolar, mas as esquecemos quase que em seguida, não as
trazendo para o dia-a-dia.
Entretanto uma performance esportiva ou artística vence o
tempo, atravessa os séculos através da memória histórica, sendo reprisada com
relevância. Principalmente agora, modernamente, em função da mídia,
transforma-se em algo inesquecível para ser imitado. É assim que homens
notáveis como Oswaldo Cruz, Einstein, Sabin, Madre Tereza de Calcutá, o casal
Curie e muitos outros são menos lembrados em nosso cotidiano, como exemplo para
as crianças, do que o artista de cinema ou TV,
o astro de futebol ou qualquer outro esporte, que são eternamente
endeusados. O homem de hoje só reconhece a fama e o dinheiro, o resto é tolice na
sua concepção de vida.
Não há nada de ruim no fato de
procurarmos racionalmente os prazeres da vida, mas não podemos ignorar a morte.
Se não vejamos: o homem de fé tem consciência de seu futuro espiritual e
acredita saber o que lhe espera depois de sua passagem pela vida; o
materialista tem a certeza, como ateu que é que tudo acaba aqui mesmo, todavia
entende por convicção e raciocínio lógico que tudo que fizer de bom ou de mau
irá refletir no mundo do qual faz parte, atingindo-o por consequência.
A dedução correta é que devemos
trabalhar para o bem comum, esquecendo nossas ambições pessoais, renovando a
todo instante nossos ideais fraternos de aspirações de paz e de proteção
ambiental, visando a nossa sobrevivência e a de outras espécies, que conosco habitam
este planeta por enquanto exuberante e lindo. Não podemos continuar cegos ao
que acontece em nossa volta, precisamos compreender que para nos salvarmos
teremos antes que salvar nosso habitat, o ambiente em que vivemos, erradicando
de nossos hábitos a tradição das guerras, a destruição das florestas, a
poluição crescente, a pobreza nos países subdesenvolvidos, as desigualdades
sociais.
Em mais de dois mil anos de
civilização não houve um único momento de trégua ou paz duradoura no mundo em
que vivemos. Andamos criando as nossas próprias tragédias, que para serem
evitadas temos que estabelecer uma
mentalidade nova dentro de um código universal que una todos os povos, todos os
credos, todas as raças num único projeto, o de mudar o mundo modificando as pessoas.
Fatos assustadores são
reincidentes em todas as partes do globo terrestre, atingindo principalmente as
crianças. O desemprego, o sistema educacional falido, as drogas, um verdadeiro
inferno onde impera a violência e a perversidade, transformando nossos jovens
em bandidos precoces. Podemos culpar a incompetência e falta de sensibilidade
dos governos, mais preocupados com a rotina política que mantém os governantes
no poder. Podemos acusar a omissão da família, entregue ao egoísmo e comodismo,
não apontando os caminhos pelos quais os filhos devem manter-se atentos e
firmes. Não podemos negar a frustração e o imobilismo do setor educacional,
entregue às teorias ultrapassadas e sem o incentivo de um ideal latente.
Uma análise sincera nos colocaria
todos no banco dos réus, pois na realidade somos todos culpados, permitindo a
mudança de valores infectada pelos exemplos contínuos de corrupção e
impunidade; pela disputa de mercado consumidor evidente nas religiões de massa,
fazendo-as incapazes de manter a fé e a esperança nos seus adeptos; porque
somos irresponsáveis toda vez que aplaudimos e permitimos o livre acesso às
obras de alto poder corrosivo da moral, seja ela nos livros, nos jornais, nas
revistas, nos filmes e na televisão; e permitimos o mau exemplo para os nossos
filhos toda vez que agimos como animais num cio interminável; ou quando
deixamos de oferecer uma palavra de conforto ou um gesto de solidariedade
àqueles que precisam.
Enquanto tudo isso acontece exemplos de valores menores ganham destaque
em detrimento dos de maior amplitude, graças aos interesses comerciais dos
meios de comunicação com alto poder de penetração, explorando o sensacionalismo
e o escândalo como forma de superar a concorrência. A vida passa a ser um
espetáculo de vaudeville, aparentemente
alegre, sem sentido, banal, para simplesmente ser levada enquanto o coração e
os pulmões a suportarem. Alternam-se os atos com a mudança da moral e dos
costumes, como se a experiência particular de cada autor refletisse uma verdade
única insofismável, que vai atingir acintosamente a maioria simplória, triste e
despreparada da população. ###
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