Nessa
vida tudo que nunca fiz foi trabalhar. A palavra trabalho vem do latim tripalium, um instrumento de tortura
medieval muito cruel, e é verdade, no mundo contemporâneo o termo “trabalho”
passou a ser considerado algo desagradável que você tem que realizar para
ganhar o seu sustento. Toda a minha vida tem sido uma história de aversão ao trabalho,
nunca trabalhei e espero jamais trabalhar!
Fiz dos
quadrinhos uma das minhas formas expressivas prediletas pelo amor genuíno que
tenho por sua linguagem, amor que começou na tenra infância quando meu pai
comprava gibis para mim todos os finais de semana, a princípio na saudosa
“Livraria Barros”, nosso local de visitas obrigatórias todos os finais de
semana desde antes de eu saber falar, e depois na notória “Itacolomy”, que até
hoje resiste bravamente em
nossa Ituiutaba apesar da decadência inevitável dos impressos
em um mundo cada vez mais digitalizado. Foi com os quadrinhos que aprendi a
ler. Logo veio o desejo de criar quadrinhos e ainda com 12 anos de idade
publiquei minha primeira HQ em um fanzine e continuei a produção incessante que
hoje ultrapassa as 3 mil páginas publicadas, somando-se fanzines, revistas e
álbuns em
quadrinhos. Também decidi levar os quadrinhos para o meu
universo de pesquisa e fiz mestrado em multimeios na Unicamp, onde realizei um
estudo pioneiro no mundo sobre as HQs na Internet categorizando o que batizei
de HQtrônicas; depois no doutorado em artes na USP criei um universo ficcional
transmídia que entre outras criações gerou álbuns em quadrinhos, revistas e
fanzines. Hoje, além de artista transmídia, sou professor no Programa de
Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da UFG – Universidade Federal de Goiás,
onde oriento mestrados e doutorados sobre o tema, e também criei a disciplina
de graduação “Histórias em Quadrinhos de Autor”, que ministro na Faculdade de
Artes Visuais da UFG.
Não
considero nada do que faço como “trabalho”, referindo-me a essa palavra como
algo que deve ser feito à revelia do que gostamos para garantir nosso sustento.
Olhando minha trajetória percebo que nunca trabalhei na vida, pois sempre segui
o meu coração. Minha história é pautada pela busca incessante de realizar
aquilo que me dá prazer e com o que posso contribuir de alguma forma para a
minha integralização como ser e para a transformação do mundo em lugar melhor.
Nunca objetivei “ganhar dinheiro”, mas ele nunca me faltou, até porque sou um
homem simples, desinteressado em posses materiais, que infelizmente são o
objetivo maior de uma sociedade guiada pelo hiperconsumo.
Faço o
que amo e não preciso “trabalhar”, e mesmo quando passei por dificuldades
materiais nunca deixei a pureza de meus objetivos ligados às atividades que
amo. Infelizmente, como professor, vejo constantemente os jovens abdicando de
seus talentos - daquilo que amam -, para seguirem caminhos torpes guiados
apenas por resultados financeiros, enterrando seus sonhos e vendendo-os por
lixos como “carros do ano”, “celulares de última geração”, roupas de grife e
toda essas bugigangas que têm contribuído para a destruição da biosfera. É
lamentável perceber os valores cada vez mais guiados pelo ter, em um mundo cada
vez mais necessitado do ser.
Edgar
Franco é Ciberpajé, artista transmídia, pós-doutor em artes pela UnB, doutor em
artes pela USP, mestre em multimeios pela Unicamp e professor do Programa de
Doutorado em Arte e Cultura Visual da UFG. Acadêmico da ALAMI, possui obras
premiadas nacionalmente nas áreas de arte e tecnologia e histórias em
quadrinhos. ciberpaje@gmail.com
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