segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Crônicas de Dr. Juarez Moraes de Avelar


















Minha decisão de ser Médico

Dr. Juarez Moraes de Avelar –  ALAMI -
- Membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores –

A Medicina sempre foi minha vocação. Trago comigo a certeza de que desgraçadamente foi a tragédia que detonou minha consciência em relação a ela. Tanto isso é verdade que, depois da imagem de minha mãe grávida, a segunda impressão profunda de visão do mundo que me vem à mente é a de minha escolha profissional.
Nós morávamos em Capinópolis, e certo dia na ausência de papai que estava em viagem de negócios, quando tudo transcorria bem em nossa família até que a tarde ficamos assustados com os gritos de Jarbas, um de meus irmãos. Ao vê-lo correndo ao nosso encontro, ficamos chocados e desesperados: ele gritava e com todo o corpo em chamas. Parecia uma tocha humana vindo ao nosso encontro. Mamãe, ainda que assustada com o quadro teve um reflexo de importância fundamental para apagar o fogo: retirou rapidamente a toalha branca que cobria a mesa da sala de jantar, bordada à mão por nós, e abafou o fogo abraçando-o. Havia uma jarra d'água sobre a toalha de mesa que, naquele rápido e desesperado gesto caiu e molhou quase toda a toalha. Assim, ela abafou o fogo, e ao mesmo tempo, resfriou as regiões gravemente atingidas pelas chamas. Tal acidente resultou em terríveis queimaduras nos ombros e nas costas de Jarbas que, retorcendo-se de dor, deixava-nos ainda mais preocupados. Experimentada na arte de enfrentar momentos difíceis, mamãe superou o choque inicial e, num átimo, ordenou:
- Jomázio e Juarez, corram à casa de tio Augusto e peçam-lhe ajuda. Os cuidados e tratamentos já aplicados, tenho certeza que não são suficientes.
Tio Augusto era irmão de minha querida e saudosa avó Olímpia, mãe de papai. Não era médico e nem mesmo tinha diploma de farmacêutico, mas a vida ensinou-lhe a portar-se em qualquer emergência, dada a sua excelente capacidade de raciocínio rápido e intuição clínica, fosse qual fosse a circunstância. Capaz de tratar e curar muitos males, inclusive aquele que afligia fisicamente Jarbas, e a todos nós sentimentalmente.
Sem perder tempo, saímos em disparada, pelas ruas empoeiradas de Capinópolis. Era curto o percurso entre a nossa casa e a de tio Augusto, mas durante aquele tempo, tomado de emoção pelo sofrimento de nosso irmão e certamente impulsionado pelo doloroso quadro que subitamente chocava a todos nós, retendo as lágrimas e com o sentimento de compaixão humana à flor da pele, decidi que tinha uma missão a cumprir e de modo peremptório, disse a meu irmão:
Jomázio, eu vou ser médico!
Meu irmão mais velho olhou-me intrigado e, ao mesmo tempo, não ocultou certo grau de incredulidade. Talvez pelo chocante e dramático momento de nossa família ele não refletiu suficientemente sobre minha manifestação. Não sou psicólogo, entretanto acredito que naquele momento, intimamente, ele deveria questionar algo como: “Até que ponto um moleque de 4 anos de idade pode saber o que quer fazer na vida?!?!?!”
Ao mesmo tempo pensava que ele estivesse considerando-me apenas um pretensioso. Antes que ele falasse alguma coisa, como se estivesse lendo seus pensamentos, fui incisivo e reforcei o que havia dito:
- Vou ser médico sim, Jomázio! Quero prestar socorro rápido às pessoas de nossa família. A gente nunca sabe quando uma doença ou acidente acomete nossos familiares!!!.
Após aquele monólogo, chegamos a casa do tio Augusto, que como sempre, estava sentado num longo banco de madeira, situado na varanda lateral. Era um homem alto, forte, austero, sisudo, de poucas palavras, com seus óculos de lentes grossas para compensar a miopia. Nossa chegada naquele momento em que o sol já se punha no horizonte descrevendo um enorme arco iris com os multiplos semicírculos no céu, não lhe surpreendeu, embora não era de praxe irmos à sua residência àquela hora. Percebi que ele nem nos olhou e perguntou com poucas palavras:
- O que vocês fazem aqui a esta hora, meninos?
Conclui que nossa presença não lhe causava desconforto, nem tão pouco muito interesse. Jomázio tomou a iniciativa de responder a pergunta, dizendo sucintamente:
- Tio Augusto, a mamãe pede para o senhor ir lá em casa para ver o Jarbas.
Antes de Jomázio completar a solicitação de mamãe ele já reagiu como lhe era característico, porém sem rancor ou mau humor:
- Porque sua mãe não traz o menino aqui? A distância daqui lá é a mesma de lá até aqui.
Aquelas palavras não nos chocaram, porque assim era seu jeito de ser. Se nós não o conhecêssemos suficientemente poderíamos pensar que fosse expressão de irritação. Realmente Jomázio e eu estavamos acostumados com suas reações porque lhe prestavamos serviços diariamente em casa e na sua farmácia de manipulação na lavagem dos vidros para colocar as drogas que ele mesmo preparava com folhas e raízes de ervas medicinais. Tio Augusto continuava estático, sem nos olhar, quando o Jomázio concluiu:
- O Jarbas sofreu uma grave queimadura, tio Augusto. Mamãe já aplicou alguns remédios, mas ela está muito preocupada com a vida dele!!! Ela pede para o senhor ir pessoalmente à nossa casa para prestar atendimento ao nosso irmão.
Tio Augusto ao ouvir nossas palavras entrecortadas de emoção não hesitou em nos acompanhar até nossa casa para ver o Jarbas e prescrever adequados medicamentos que aliviaram as fortes dores. Em seguida apresentou bem orientado tratamento durante vários dias que, além de curar as graves feridas da pele não deixou seqüela daquela grave e complexa queimadura.
Com a candura e ingenuidade própria de uma criança eu estava certo. Anos mais tarde, já formado em Medicina, tive e tenho várias oportunidades de tratar muitos familiares ou, quando não me sinto habilitado, encaminhei-os aos cuidados de competentes especialistas de outras áreas. Como médico e filho acompanhei meus pais para tratamento de várias enfermidades que os acometeram ao longo da vida. Com muita dor fui companheiro de ambos até os últimos momentos de suas vidas. Meu saudoso pai teve o final de vida antecipado pelas conseqüências do terrível vício de tabagismo. Já minha saudosa mãe faleceu em decorrência da senilidade com falência de múltiplos órgãos. Hoje, passados sete décadas daquele doloroso episódio ocorrido com meu irmão, recordo com alegria, emoção e ao mesmo tempo comovido pela acertada decisão que fiz aos quatro anos de idade. Se eu tivesse que escolher minha profissão mais uma vez, com toda certeza optaria, sem pestanejar, pela Medicina. Alcançar meu objetivo não foi fácil, e mais difícil foi transpor os inúmeros obstáculos ao longo de minha frutífera jornada de vida. Das inúmeras lições que aprendi com meu saudoso pai, transcrevo um de seus consagrados pensamentos:

 “Vencer sem lutar é vitória sem glória”

(Anísio Vilela Avelar 1909-1996)

Crônicas de Edgar Franco













     Por que decidi jamais “trabalhar”.

Nessa vida tudo que nunca fiz foi trabalhar. A palavra trabalho vem do latim tripalium, um instrumento de tortura medieval muito cruel, e é verdade, no mundo contemporâneo o termo “trabalho” passou a ser considerado algo desagradável que você tem que realizar para ganhar o seu sustento. Toda a minha vida tem sido uma história de aversão ao trabalho, nunca trabalhei e espero jamais trabalhar!
Fiz dos quadrinhos uma das minhas formas expressivas prediletas pelo amor genuíno que tenho por sua linguagem, amor que começou na tenra infância quando meu pai comprava gibis para mim todos os finais de semana, a princípio na saudosa “Livraria Barros”, nosso local de visitas obrigatórias todos os finais de semana desde antes de eu saber falar, e depois na notória “Itacolomy”, que até hoje resiste bravamente em nossa Ituiutaba apesar da decadência inevitável dos impressos em um mundo cada vez mais digitalizado. Foi com os quadrinhos que aprendi a ler. Logo veio o desejo de criar quadrinhos e ainda com 12 anos de idade publiquei minha primeira HQ em um fanzine e continuei a produção incessante que hoje ultrapassa as 3 mil páginas publicadas, somando-se fanzines, revistas e álbuns em quadrinhos. Também decidi levar os quadrinhos para o meu universo de pesquisa e fiz mestrado em multimeios na Unicamp, onde realizei um estudo pioneiro no mundo sobre as HQs na Internet categorizando o que batizei de HQtrônicas; depois no doutorado em artes na USP criei um universo ficcional transmídia que entre outras criações gerou álbuns em quadrinhos, revistas e fanzines. Hoje, além de artista transmídia, sou professor no Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da UFG – Universidade Federal de Goiás, onde oriento mestrados e doutorados sobre o tema, e também criei a disciplina de graduação “Histórias em Quadrinhos de Autor”, que ministro na Faculdade de Artes Visuais da UFG.
Não considero nada do que faço como “trabalho”, referindo-me a essa palavra como algo que deve ser feito à revelia do que gostamos para garantir nosso sustento. Olhando minha trajetória percebo que nunca trabalhei na vida, pois sempre segui o meu coração. Minha história é pautada pela busca incessante de realizar aquilo que me dá prazer e com o que posso contribuir de alguma forma para a minha integralização como ser e para a transformação do mundo em lugar melhor. Nunca objetivei “ganhar dinheiro”, mas ele nunca me faltou, até porque sou um homem simples, desinteressado em posses materiais, que infelizmente são o objetivo maior de uma sociedade guiada pelo hiperconsumo.
Faço o que amo e não preciso “trabalhar”, e mesmo quando passei por dificuldades materiais nunca deixei a pureza de meus objetivos ligados às atividades que amo. Infelizmente, como professor, vejo constantemente os jovens abdicando de seus talentos - daquilo que amam -, para seguirem caminhos torpes guiados apenas por resultados financeiros, enterrando seus sonhos e vendendo-os por lixos como “carros do ano”, “celulares de última geração”, roupas de grife e toda essas bugigangas que têm contribuído para a destruição da biosfera. É lamentável perceber os valores cada vez mais guiados pelo ter, em um mundo cada vez mais necessitado do ser.

Edgar Franco é Ciberpajé, artista transmídia, pós-doutor em artes pela UnB, doutor em artes pela USP, mestre em multimeios pela Unicamp e professor do Programa de Doutorado em Arte e Cultura Visual da UFG. Acadêmico da ALAMI, possui obras premiadas nacionalmente nas áreas de arte e tecnologia e histórias em quadrinhos. ciberpaje@gmail.com




 
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