A FERA
Jair Humberto Rosa
Nosso time está uma baba.
Decepciona, enerva a gente. A bola, nos pés dos nossos jogadores, parece
rebelde. Não obedece ao comando. Um tenta fazê-la chegar até seu companheiro de
equipe, ela cai nos pés do adversário. Ingrata. Desobediente. E tem hora que
até parece pedra: nosso craque chuta e ela quase não sai do lugar.
O tempo passa e o relógio
não para, como diz aquele locutor esportivo. Primeira etapa finda, o placar
continua virgem. Zero a zero é um resultado que não agrada mineiros nem
goianos.
Cícero é moço pobre, que
desceu do Nordeste tangido pela penúria, e trabalha na construção civil.
Domingo, sem namorada e sem amigos, bebe umas e outras, sempre sem perder a
linha; e nosso time jogando em casa não deixa de comparecer ao estádio,
atendendo ao chamamento da diretoria que apela para que a torcida ajude. Só
assim a equipe vai para a divisão principal. E, claro, embora não revelem, vai
sobrar mais para colocar no bolso. Lá deles, lógico.
Passa da metade da segunda
etapa e ninguém mudou o placar. O jogo caminha para o final e nada de emoção e
gol.
Cícero já havia tomado
algumas antes; agora, durante o jogo, uma barraca vendendo copos de plástico
com uma geladinha dentro, fez descer mais meia dúzia goela abaixo. E com o
joguinho frio que está vendo, o sangue esquenta. Resolve pular o alambrado.
O rapaz não pensa em
machucar ninguém, vai se aproximar do técnico e perguntar o que é que falta
para que a gente liquide logo o timinho adversário, lanterninha do campeonato.
Nunca ferira ninguém, não seria agora que faria isto. Mas o policiamento está
ali para não deixar ninguém entrar.
Dois deles correm atrás de
Cícero que corre no rumo do banco de reservas. Vendo que os comandados não
conseguem detê-lo, o comandante manda mais três em seu encalço. Depois, mais
cinco. E por fim, vendo que a coisa não está fácil, vai ele mesmo. Afinal,
estão diante de um monstro, pesando cerca de quarenta e oito quilos. E ainda
fortemente armado de amor pelo nosso time.
Agarram-no próximo ao
banco de reservas. Mais alguns segundos e teria chegado. A torcida que deixara
de olhar o jogo e começara a torcer agora para Cícero, estrila, grita, vaia.
Começam a jogar coisas: pedras, copos, garrafas. Uma pedra atinge a cabeça, logo
de quem, do comandante.
Aí já é muita afronta, os
policiais batem no jovem. Não foi ele quem atirou a pedra, é verdade, mas não
foi ele quem provocou o tumulto? Então apanha.
Depois de espancado sob a
vista do estádio quase lotado, Cícero segue no camburão para passar o resto do
domingo no pote.
E o pior, fica sabendo no
outro dia, quando é liberado já atrasado para o trabalho, é que nosso time
acabou perdendo de um a zero.
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* Jair Humberto Rosa é autor, entre outros, de "O sujeito", contos, J. Scortecci, São Paulo, 2005;
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