Domingo, de manhã
Whisner Fraga - ALAMI
Nasci num domingo, o que talvez explique um pouco essa
melancolia levemente pragmática e esse vazio indômito e persistente. Corro ao
calendário: Helena veio à luz em uma terça. Preocupo-me com o que deixarei para
a menina, porque aquela utopia de mundo melhor e pessoas mais civilizadas caiu
por terra, como esperado. Pergunto a Ana se o fato de termos tão poucos amigos
não seria muito prejudicial para uma filha única. Aparentemente seria. Mas o
que fazer?
Apelo para a memória e não consigo encontrar o momento em que a timidez me
forçou a essa convivência limitada. Não que eu não goste do silêncio e da
solidão. Até porque todos concordam que o isolamento é muitas vezes necessário,
para que consigamos raciocinar longe do ruído recriminador e moralista dos
outros. Helena aprenderá isso, mas espero que saiba dosar essa necessidade.
– Você não quer que busquemos a Duda para ficarem aqui em casa?
Dá de ombros a menina e sai em disparada para o quarto. Pouco depois traz
alguns bonecos e pede para que brinque com ela. Sou ruim de brincadeiras
infantis, mas cedo. É quase um sacrifício abandonar o livro, mas ela já não me
deixava seguir a leitura.
– Papai, não é verdade que as folhas parecem pássaros?
Helena e sua curiosidade nos arrastam para outras suposições, para outros
desdobramentos. Então está frio e, uma criança, o apartamento fechado, os gatos
indóceis e a poluição são ingredientes certeiros para a rinite. Helena chega
com o nariz entupido e decido que precisamos sair. São Paulo não é boa com as
crianças: tudo é longe e demorado. Mas devemos passear: a casa se enjoou de nós
e também precisa de solidão.
Vamos para o parque da Água Branca. Lá, a feira de alimentos orgânicos, as
copas das árvores, o cheiro de bosta de cavalo, a companhia dos pombos, pavões,
patos e gansos nos trazem de volta uma harmonia quase desesperada com a
realidade. Tomamos um café supostamente mais puro, comemos um ovo mexido
supostamente livre de antibióticos e outras ameaças. Em determinando instante,
não temos escolha: o que havia para ser feito foi feito e precisamos voltar
para o ar insalubre de nossa sala.
– Papai, você me ajuda a escolher outra meia, que esta molhou?
Não há meias o bastante no baú: esta não serve, esta também não. Ela quer uma
antiderrapante com o desenho da Marie. Só que essa não existe, talvez nunca
tenha existido. Se ela tivesse alguma amiga por perto talvez pudesse falar de
sua frustração por não ter uma meia antiderrapante com o desenho da Marie.
Decidimos que vamos ligar para a mãe da Duda e que buscaremos uma companhia
para nosso domingo. Vamos contar a novidade para Helena, mas ela está encostada
em uma almofada. E dorme.
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