Cobra-Cipó
Jair
Humberto Rosa
O operário desempregado chegou à porta do boteco e parou, olhou timidamente
para os presentes; conhecia a todos, porém não cumprimentou ninguém, não tinha
coragem para tanto.
Pela magreza, apelidaram-no Cobra-Cipó, aquela cobra bem fininha que quase não
se vê, tão suavemente desliza por entre o capim.
Cobra-Cipó, passados alguns segundos, acabou de entrar, encostou-se no balcão.
O dono do boteco, conhecendo-o bem, nem foi ver o que queria, sabia que ele não
tinha dinheiro para comprar nada.
Os boêmios também não repararam em Cobra-Cipó, continuaram a tomar cerveja e
ele ficou olhando, água na boca de vontade de tomar um copo.
Não era um “serrador”, não pedia nada a ninguém, só ficava olhando. Se lhe
oferecessem, evidente, bem que aceita, mas pedir, não pedia nunca.
Cobra-Cipó, operário semi-qualificado, diante da política de economia da
fábrica, foi parar no olho da rua. Sorte a mulher e o filho terem morrido, atropelados
por um ônibus, assim só ele passava dificuldades.
Tentou muitas maneiras de ganhar a vida: foi vendedor de tapetes, de loteria,
de livros e até de carnês que prometem a felicidade para o resto da vida.
Vendeu alguns desses sonhos, não conseguiu a própria felicidade, desistiu.
Cobra-Cipó não nascera para ser vencedor, nascera para ser operário e até que
ia indo bem na fábrica, aprendera muita coisa, e em dois anos no máximo ia se
rum torneiro mecânico dos bons.
Cobra-Cipó desistiu de vender, foi ficando doente, mudou-se da casa em morava
para um cortiço, depois acabou ficando por lá de favor, fazendo pequenos
serviços para a senhoria em troca da moradia de
graça.
Cobra-Cipó pegou a vassoura, começou a varrer o boteco. Era acostumado a
fazer isso. Pegava a vassoura, pedia licença aos fregueses e varria. Acabada a
tarefa, o proprietário dava-lhe meio copo de pinga, da ruim, da mais barata.
O homem pôs a pinga, ele bebeu de um gole só, não fez careta, não cuspiu. Um
freguês, vendo aquilo, deu uma risada, e falou:
- Se beber outra dessa eu pago.
Cobra-Cipó mandou colocar a outra pinga, o freguês mandou encher o copo,
ele bebeu de dois goles, porque a quantidade era muita para o seu fôlego.
Outro freguês propôs:
- Se beber outro copo eu pago.
Cobra-Cipó
bebeu e houve outras propostas.
Cobra-Cipó, operário desempregado, magro, faminto, desiludido, tomou cinco
copos e meio de pinga, rodeado de risadas dos frequentadores do boteco e do
dono. E pinga ruim, da mais barata.
Talvez
o mundo tivesse desabado sobre Cobra-Cipó, talvez fosse apenas um buraco
que se abrira sob seus pés, o que é certo é que ele caiu inconsciente.
O
proprietário, preocupado, pediu aos fregueses que o arrastassem para fora, para
a calçada.
Um
dos fregueses afirma que Cobra-Cipó, quando foi
arrastado, já estava morto; outro acha que ele morreu depois. Mas na hora
o que fizeram foi sair pela rua, comentando a façanha de Cobra-Cipó, entre
gargalhadas.