Quando eu era muleke, por volta dos meus 8 a 12 anos de idade, eu ia lá na locadora de fita de vídeo da minha cidade (Soft Vídeo) e as vezes passava do lado da salinha dos filmes pornô. Sem que ninguém percebesse, eu me aproveitava enquanto meu pudor se descuidava e, sorrateiramente lançava meu olhar periférico, mais conhecido por aqui como “rabo de olho”, nas capas das fitas pornô dentro da salinha; pela eternidade de 2 segundos eu apreciava o relance do pecado. Aquilo era fascinante. Mas eu não tinha coragem de entrar lá; só olhava de longe. Eu era o muleke mais tímido que existia na América do Sul; morria de vergonha de alguém me ver lá dentro. Se eu percebesse que me viram só olhando eu já iria desistir da vida e querer tomar leite com manga (suicídio letal dos anos 80/90)
Mas eu morria de vontade de entrar lá. Entre as prateleiras de filmes de aventura eu só me imaginava um dia entrando na salinha pornô! Pra ter uma ideia, naquela época o máximo que eu via de uma mulher seminua era na banheira do Domingo Legal do Gugu.
O tempo foi passando, a vontade aumentando e uma vez fiquei lá na locadora por horas a fio fingindo procurar filmes de terror, esperei não ter mais nenhum cliente e o atendente ir no banheiro pra que ele não me visse entrando na salinha... Daí, quando eu já ia entrar pensei: vai que eu entro, ninguém me vê, mas e quando eu for sair? Já pensou se dou de cara com a minha mãe? Com algum colega da catequese? Ou pior, dou de cara com a menina que eu era apaixonado na escola? Fiquei ali tanto tempo tecendo medos e obstáculos que quase 10 anos se passaram.
Quando eu tinha já lá pelos meus 17 anos de idade finalmente, já com barba na cara, estufei o peito, criei coragem e entrei na cobiçada salinha pornô da locadora. Quando entro lá, dou um suspiro de alívio por ter vencido o desafio, limpo o suor frio da testa, olho pro lado e quem eu vejo? A guria que eu era apaixonado durante a infância, exatamente aquela que eu temia que me visse saindo da sessão pornô em meus devaneios absurdos da meninice. Olho pra ela, ela me olha, damos um rápido cumprimento um pro outro e eu saio da salinha.
... Chega, desisto, essa vida não faz mais sentido algum...
Arth Silva é escritor, desenhista, designer e redator publicitário, especialista em perder canetas azuis.
Autor do livro "Contos à Queima Roupa" e da coletânea de memórias dos idosos de Ituiutaba "Gavetas da memória" e "O tempo e a vida"